UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN. CAMPUS DE BAURU – SP OSVANDO JOSÉ DE MORAIS Hermenêutica Midiática e Humanismo Media Hermeneutics and Humanism BAURU - SP 2024 OSVANDO JOSÉ DE MORAIS Hermenêutica Midiática e Humanismo Media Hermeneutics and Humanism Texto de apreciação e sistematização crítica de parte da produção acadêmica para atendimento às normas do Edital 01/2024 – DTA/FAAC de Concurso Público de Títulos e Provas do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp – Campus de Bauru, na disciplina “Hermenêutica do Humanismo e das Relações Humanas nas Mídias Digitais: Fundamentos teóricos e Tecnológicos da obsolescência do SER” para a obtenção do titulo de Livre-Docente em Hermenêutica Midiática e Humanismo. BAURU - SP 2024 Morais, Osvando José de. Hermenêutica midiática e humanismo / Osvando José de Morais. – Bauru, 2024 336 f. Tese (livre-docência) –Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru. 1. Hermenêuticas. 2. Hermenêutica e filosofia prática. 3. Teoria da interpretação. 4. Teoria do diálogo. 5. Filosofia da linguagem. 6. Filosofia das Ciências. 7. Epistemologia. 8. Humanismo. 9. Mediações. 10. Sobreposições. 11. Relações humanas. I. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design. II. Título. Para Paulo Schettino, meu companheiro, sempre presente, visível e invisível. In memoriam. Agradecimentos Cabe aqui reconhecer o humanismo dos titulares da banca que souberam perceber muitas das dimensões “humanas e extremamente humanas” palmilhadas, como se fechasse um ciclo, em uma tarde miudamente lenta, sigo vagaroso, como se outro Ser fosse, de mãos pensas, sublime e hermético. Sylvia Helena Furegatti- IA- UNICAMP, Jane Aparecida Marques- EACH-USP, Luciano Guimarães - ECA-USP, Roseane Andrelo – UNESP, Mauro de Souza Ventura- UNESP. Aos suplentes da banca: Rosana de Lima Soares- ECA – USP, Sandra Lúcia Amaral de Assis Reimão- EACH-USP, Ricardo Alexino Ferreira- ECA- USP, João Pedro Albino- UNESP, Eli Vagner Francisco Rodrigues- UNESP. Aos amigos que participaram, acompanharam e estiveram presentes sempre, em todos os momentos pedregosos e em cada etapa do projeto, como o resultado de uma vida: Denis Porto Renó, Maria Cristina Gobbi, Keity Brito do Prado, Natália Martin Viola, Ivo Gustavo Lemos de Almeida e Wassili Gonçalves da Silva Freitas. MORAIS, Osvando José de. Hermenêutica Midiática e Humanismo. Texto de apreciação e sistematização crítica de parte da produção acadêmica para atendimento às normas do Edital 01/2024 – DTA/FAAC de Concurso Público de Títulos e Provas do Departamento de Comunicação. A Pesquisa foi realizada e os textos redigidos entre os anos de 2017-2023, em minha trajetória na UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), FAAC (Faculdade de Arquitetura, Arte, Comunicação e Design), 2024. Resumo Este conjunto de textos traduz o resultado da pesquisa realizada entre os anos de 2017–2023 e agora apresentada à UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”). O projeto, ainda em andamento, tem como objetos as Hermenêuticas da Mídia e o Humanismo, as linguagens nas Relações e Mediações Interculturais, que leva em conta as inúmeras correntes teóricas da Filosofia que se ocupam da existência. Propõe-se, de maneira geral a hipótese de que as Ciências Humanas, em suas dinâmicas e conectividades, podem também ser compreendidas a partir de suas matrizes filosóficas que fornecem elementos de conhecimento e teorias, justificando pensar sobre os aspectos intrincados dos conceitos já conhecidos que possam ser repensados em outros contextos. Discutem-se, ainda, as Teorias da Interpretação e do Diálogo como parte integrante do projeto e também como método para entender as relações sociais e humanas em sua complexidade que inclui, na dinâmica das trocas, o caráter cognitivo, espiritual, emocional e interativo, mas requerem, acima de tudo, entendimento e compreensão. Propomos, neste trabalho, retomar e aprofundar as análises das ideias de Gadamer, principalmente em Verdade e Método, e de Paul Ricouer em Si-mesmo como um outro e Teoria da Interpretação, com o objetivo de repensar o humanismo e o SER, no sentido heideggerianos e a Ciência da Mídia, no contexto dos estudos contemporâneos que envolvem a hermenêutica, a existência e as linguagens. Fizemos um levantamento de teóricos que constam das referências. Destacamos alguns deles por trazerem discussões mais pertinentes à Mídia e, às vezes, pouco usuais. Por tratar-se de pesquisa teórica, propomos uma reflexão aprofundada acerca dos fenômenos teóricos das Relações Humanas como estratégia de abordagens do objeto de pesquisa e tratamento de seus concernentes problemas. Palavras-chave: Hermenêuticas. Hermenêutica e Filosofia Prática. Teoria da Interpretação. Teoria do Diálogo. Filosofia da linguagem. Filosofia das Ciências. Epistemologia. Humanismo. Mediações. Sobreposições. Relações Humanas. MORAIS, Osvando José de. Media Hermeneutics and Humanism. Text of critical assessment and systematization of part of the academic production to comply with the rules of Notice 01/2024 – DTA/FAAC for the Public Competition for Titles and Tests of the Department of Communication. The research was carried out and the texts were written between the years 2017-2023, during my career at UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), FAAC (Faculty of Architecture, Art, Communication and Design), 2024. Abstract This set of texts translates the results of research carried out between the years 2017–2023 and now presented to UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”). The project, still ongoing, has as its objects Media Hermeneutics and Humanism, languages in Intercultural Relations and Mediations, which takes into account the countless theoretical currents of Philosophy that deal with existence. In general, the hypothesis is proposed that the Human Sciences, in their dynamics and connectivity, can also be understood based on their philosophical matrices that provide elements of knowledge and theories, justifying thinking about the intricate aspects of already known concepts that can be rethought in other contexts. The Theories of Interpretation and Dialogue are also discussed as an integral part of the project and also as a method to understand social and human relationships in their complexity, which includes, in the dynamics of exchanges, the cognitive, spiritual, emotional and interactive character, but they require, above all, understanding and understanding. We propose, in this work, to resume and deepen the analyzes of Gadamer's ideas, mainly in Truth and Method, and Paul Ricouer's in Oneself as an Other and Theory of Interpretation, with the aim of rethinking humanism and BEING, in the sense Heideggerians and Media Science, in the context of contemporary studies involving hermeneutics, existence and languages. We carried out a survey of theorists included in the references. We highlight some of them because they bring discussions that are more relevant to the Media and, sometimes, unusual. As this is theoretical research, we propose an in-depth reflection on the theoretical phenomena of Human Relations as a strategy for approaching the research object and treating its related problems. Keywords: Hermeneutics. Hermeneutics and Practical Philosophy. Interpretation Theory. Dialogue Theory. Philosophy of language. Philosophy of Sciences. Epistemology. Humanism. Mediations. Overlays. Human relations. SUMÁRIO 1 TEORIAS HERMENUTÍCAS ....................................................................................................... 1 1.1 APRESENTAÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO HERMENÊUTICA. ........................... 1 1.2 APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 4 1.3 A HERMENÊUTICA E O HUMANISMO DIALÓGICO ....................................... 10 1.4 JUSTIFICATIVAS ................................................................................................... 13 1.5 ENFRENTAMENTOS: MEDIAÇÕES OU O ENCONTRO DE HORIZONTES .. 17 1.6 CIRCUNSTÂNCIAS METODOLÓGICAS ............................................................. 26 1.7 ENQUADRAMENTOS ESPECÍFICOS DA PESQUISA: CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS, SEM PONTOS FINAIS METODOLÓGICOS. ............................... 28 2 CONCRETIZAÇÕES HERMENEUTICAS ............................................................................ 30 2.1 PRODUÇÕES E REPRODUÇÕES: AMPLIAÇÕES, RECORTES, REDUÇÕES E ATUALIZAÇÕES. ......................................................................................................... 30 2.2 HERMENÊUTICA DOS MEDIA: POLITIZAÇÃO, HEGEMONIA E APARELHAMENTO IDEOLÓGICO DA INFORMAÇÃO ...................................... 37 2.3 AS CULTURAS, FLUXOS E TROCAS CONTÍNUAS NOS PROCESSOS MIDIÁTICO-DIGITAIS: RECONFIGURAÇÕES, SOBREPOSIÇÕES E FLUTUAÇÕES CONCEITUAIS. .................................................................................. 47 2.4 TEORIAS DAS MÍDIAS, A HERMENÊUTICA, O DIÁLOGO, A COMPREENSÃO E A INTERPRETAÇÃO: ESBOÇO PARA UMA CONTRIBUIÇÃO ÀS “NOVAS TEORIAS” E AOS “NOVOS MÉTODOS”. ........................................... 57 2.5 TEORIAS DAS MÍDIAS DIGITAIS, INTERPRETAÇÃO, ENTENDIMENTO E DIÁLOGO: UMA HERMENÊUTICA DAS BIFURCAÇÕES E FLUTUAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICA. .................................................................................... 73 2.6 TEORIA, TÉCNICA E PRÁTICA: DA ATUALIZAÇÃO DOS CONCEITOS À INFORMAÇÃO GERADA, ARMAZENADA, RECUPERADA, PROCESSADA E TRANSMITIDA. ............................................................................................................ 85 2.7 A DINÂMICA DAS TEORIAS DAS MÍDIAS: NOVOS MÉTODOS COMO PASSAGEM PARA NOVAS PRÁTICAS TEÓRICAS .............................................. 103 2.8 AMÉRICA LATINA: MEDIAÇÕES PARA O PENSAMENTO LATINO- AMERICANO COMO PROJETO POLÍTICO E CULTURAL. ................................ 125 2.9 HUMANISMOS, MÍDIA, ARTE, CULTURA E HERMENÊUTICA: REFLEXÕES SOBRE ARTE, CINEMA E LITERATURA, O CASO PASOLINI. .......................... 136 2.10 ULTIMATUM ÀS TEORIAS DAS MÍDIAS DIGITAIS: HERMENÊUTICA DAS IDEIAS DE LEV MANOVICH NA CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS ................... 147 2.11 ÀS AVESSAS DO MARXISMO OU A OPOSIÇÃO CONCEITUAL COMO A ESSÊNCIA DA TEORIA DAS EXTENSÕES TECNOLÓGICAS E MIDIÁTICAS MCLUHANIANAS. ..................................................................................................... 162 2.12 AS IMAGENS, MEDIUM E MEDIAÇÃO DO SER: REPRODUÇÕES MENTAIS COMO FIGURAÇÕES APROXIMADAS DOS ACONTECIMENTOS MEDIÁTICOS. ....................................................................................................................................... 176 2.13 O SER COMO MÍDIA E AS OBSOLESCÊNCIAS NO MAL-ESTAR TECNOLÓGICO: SOBRE OS PROCESSOS DIGITAIS.................................................................................................194 2.14 O IMAGINÁRIO, IMAGINAÇÃO E NARRATIVAS: ESBOÇO PARA UMA TEORIA DAS IMAGENS. ........................................................................................... 207 2.15 ARTE FOTOGRÁFICA DE BENJAMIM ABRAHÃO: RESSONÂNCIAS, TECNOLOGIAS, CULTURA E MEMÓRIA BRASILEIRAS, MEADOS DE 1930. 224 2.16 MCLUHAN DESDOBRADO: TEORIAS, CONCEITOS, TECNOLOGIAS E RUPTURAS. ................................................................................................................. 245 3 LIVRO NO PRELO ........................................................................................................ 256 3.1 FLUXOS CULTURAIS e CONEXÕES MIDIÁTICAS ....................................... 256 1 1 TEORIAS HERMÊNUTICAS 1.1 APRESENTAÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO HERMENÊUTICA. 1 Objetivou-se neste conjunto de textos, primeiramente, pensar a sobreposição dos conceitos de humanismo, mídia, mediação e midiatização que traduzem e complementam o mesmo significado. Importante acrescentar que se fazem presentes também nesta sistematização crítica, mas também e diríamos, principalmente, no mundo movente da pesquisa, centrar com mais especificidade em temas e autores brasileiros e da América latina, evidenciando àqueles que não tiveram acesso às ideias aqui reunidas e de maneira mais específica e objetiva manter um diálogo com as gerações de estudiosos da contemporaneidade que ingressam a cada ano no mundo acadêmico e começam a ter contato ou encontram hermeneuticamente a realidade midiática como projeto teórico. Pensou-se, em um primeiro momento que um simples comentário como apresentação ou prólogo seria suficiente a um tão grande mundo de ideias contidas nas práticas e trabalhos de autores que fizeram estudos midiáticos atualíssimos, característicos dos processos que reforçam a efervescência da pesquisa acadêmica no Brasil sobre o tema. Neste contexto, ficam explícitas as ideias de uma Cultura Latina, mesclada das culturas Lusitana e Hispânica impostas na colonização, e que antes de tudo requerem uma sensibilidade e atenção especiais para se entender as transformações culturais em contínuos movimentos desde os tempos das descobertas até os dias atuais, passando pela revolução tecnológica do século XX. Século, batizado com propriedade como o século de ouro da comunicação, com a valorização e reconhecimento da cultura de massa que, após os anos sessenta, marcou inevitavelmente as manifestações dessa mesma cultura com uma atmosfera inquieta e carregada de contradições. A edição, ordenamento e o manuseio dos textos aqui presentes traduzem para nós mesmos um importante sentido de que o vivido hoje e a cada dia, concretizado no conjunto dos 1 Os textos deste relatório pensados, planejados e produzidos de maneira constante e contínua, são o resultado de pesquisas realizadas ao longo dos seis anos de nossa trajetória na UNESP (2017-2023), evidenciando o amadurecimento e a atualização que constam dos vários projetos realizados , como mostra o respectivo resumo e ideias gerais que espelham as produções acadêmicas concretizadas em artigos científicos modificados, transformados, reduzidos ou ampliados, às vezes reescritos. Por fim, incluímos neste relatório um livro não editado/prelo e muitos outros trabalhos que continuam inéditos e em transformação. 2 artigos e de um trabalhos que compõem esta síntese de textos reunidos crticamente, muitos destes publicados em periódicos de maneira ampliada, reduzida ou transformada, concentrando uma força maior que asseveramos ter resistido à corrosiva ação do tempo com sua pressão paciente e que exerce, imperceptivelmente um poder de contínua necessidade de“esclarecimento” no sentido crítico. Desta maneira, isso provocou novos anseios na construção de um projeto mais abrangente, porém, sem fechar os olhos para as hegemonias dominantes verificadas nas teorias alienígenas que não dão conta da extrema riqueza dos processos midiáticos que interferem de diversos modos na cultura humanista brasileira, em suas manifestações diversas e estas a exigirem outras mediações de diversos tipos, na busca de um sentido ou de um propósito mais forte na atualização ou revisão dos conceitos de mídia e humanismo sobrepostos aos outros processos como correlatos. Associamos o humanismo à teoria da mídia em um processo de imbricação constante na cultura brasileira, com seus ritos carregados de tradições ibéricas misturadas àquelas inúmeras africanas que nos reconciliam com as nossas origens. Este mesmo humanismo está em contínua atualização em virtude da mediação, no sentido tecnológico e muitas outras teorias que se complementam, pois há discrepâncias e contradições causadas por essas mesmas tecnologias que ainda não chegaram aos mais remotos recantos do país. Nem mesmo a luz elétrica chegou. Nos estudos deste contexto, exigimos de nós mesmos muita cautela para falar de fluxos midiáticos contínuos e concomitantes à realidade dura do país para além da faixa litorânea atlântica. Portanto, nas regiões longínquas e fronteiriças do sertão brasileiro as mediações ainda são feitas face a face, ou ainda se dão essencialmente a partir do corpo, como prática dos ritos que mesclam sons e gestos, em um lento rememorar dos mitos arcaicos. É neste sentido que uma parcela dos pesquisadores brasileiros se ilude ao fixarem suas pesquisas nos grandes centros, esquecendo-se de que o Brasil e a América Latina são pródigos de infinitas realidades, em que luz elétrica, poços artesianos, equivalendo dizer, água potável, torres de sinais para telefonias são somente promessas e sonhos, a valer ainda a básica luta pela sobrevivência. Por isso, falar de humanismo imbricado em uma teoria da mídia e da cultura genuinamente brasileiras seria lembrar, resgatar ou fazer emergir autores como Gilberto Freire com seu mais do que clássico mundial Casa Grande e Senzala, de Sergio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, de Guimarães Rosa com Grande Sertão: Veredas, somente para citar alguns dos autores que falam de um Brasil que anda muito devagar, de um país que é mais que um Continente, com infinitas desigualdades, econômicas e culturais com pouco acesso tecnológico, 3 com injustiças crônicas, com um analfabetismo extremamente constrangedor.Sem esquecer de que somos um país extremanete desigual. Tais contradições assinaladas apontam para o lugar do humanismo acoplado às Mídias com seus objetos, que exigem inúmeras tarefas aplicadas às investigações, especialmente às Culturas que dizem respeito aos excluídos, aos esquecidos e aos marginalizados que obrigatoriamente fazem parte de outra lógica e de uma dinâmica com ritmo de canoa a remo e sempre navegando em maré contrária e desfavorável. No contexto das práticas humanísticas e mediáticas, verificam-se reflexos diretos nas culturas brasileiras com seus aproveitamentos, cruzamentos e imbricações com temas que ultrapassam os limites geográficos, fronteiras e classes sociais. Como já dissemos, o caráter plural da realidade mediática brasileira é um ponto importante, tornando-se alentador não negligenciar quaisquer aspectos ou sentidos, pois os argumentos centram-se justamente no fato de que há mundos que não são atingidos pela tecnologia massiva mediática. E justamente nesses espaços é que estão as classes pobres, iletradas, semiletradas que vivem abaixo dos limites estabelecidos pelas estatísticas econômicas, mesmo nos grandes centros de concentração humana. É sobre esse conjunto de complexidades que este trabalho continua a propor discussões sobre a existência de sobreposições como atualização dos conceitos de humanismo, mídia, mediação e midiatização (a grafia ainda é um problema: medium, media, mídia e derivações) em um novo contexto em que os meios massivos funcionam em tempo e fluxo contínuos se contrapondo às práticas cíclicas e sazonais que definiam e caracterizavam as culturas midiáticas até o final do século XX. No entanto, longe do mundo tecnológico há muitas e muitas comunidades com outros padrões de comportamentos e percepções enraizadas que resistem, tentando fazer parte desse vasto mundo de que é construída a realidade humana e midiática brasileiras, estas comunidades ainda não estão no século XXI, reproduzidas com sutis semelhanças e suaves diferenças em toda a América Latina. 4 1.2 APRESENTAÇÃO As ciências da mídia mesmo em seu início no Brasil sempre foram ancilas das teorias europeias, canadenses e estadunidenses, apreendidas em seus centros de origem e trazidas como novidades pelos pesquisadores brasileiros, após lá serem transformados em professores- doutores, tornando-se delas aqui simples vetores ao se incumbirem da tarefa única de disseminação no país. Este é o ponto de partida nevrálgico de nosso trabalho na leitura hermenêutica do humanismo, mídia e tecnologia. Até agora, ainda não tivemos propostas teóricas capazes de retornar às nossas origens, à nossa história e aos antecedentes de nossa construção como sociedade com justificativas aprofundadas capazes de mostrar o que somos e em que nos tornamos, mais ainda diante das ideias em rotação e da espiral tecnológica aceleradamente ascendente, a busca continua. E, este será o nosso grande desafio, talvez interminável. Objetivamos repensar as Teorias do humanismo e da mídia de maneira geral a partir dos debates provocados pelas leituras das teorias já consideradas clássicas, com o intuito não somente de construir uma base teórica, mas para pensar criticamente as potencialidades de uma nova teoria. Para tanto, percorremos os sequenciados esforços empreendidos para consolidar o espaço da prática de pesquisa e reflexões acadêmicas teóricas do campo da Comunicação, pretendendo ainda, demarcar o espaço de estudo dentro da grande área do Conhecimento que se constituem como Interdisciplinar, abrangendo também as Ciências Sociais Aplicadas. Por exemplo, no Brasil, para que as Ciências da mídia consigam obter o reconhecimento de sua unidade e de sua organicidade sistêmica da complexidade científica, norteadora de um segmento importante como o da comunicação, não basta o desejo inato de buscar o conhecimento que se encontra enraizado em todo exemplar de ser humano. Seria, acima de tudo, necessário retornar às ideias, obras e autores, no contexto de nosso passado histórico, voltado agora para o século XXI, avaliando as contribuições ao pensamento comunicacional que vem em movimento contínuo e em amplificação, desde os meados do século passado, caracterizado por usos servis de teorias importadas de outros continentes, que não falam obviamente de nossa experiência, de nós mesmos e, principalmente, de nossa identidade. O objetivo geral deste trabalho é também abordar as Teorias da mídia à luz da Hermenêutica, situando-as no Brasil em um conjunto de textos clássicos que discutem as práticas brasileiras, não somente do ponto de vista da formação do pensamento crítico, desenvolvido em nosso país, mas também empreender uma tentativa de avaliar as influências advindas destes autores, bem como os modos específicos de amalgamar e deglutir as ideias que 5 aqui chegaram e avaliar a evolução destes mesmos pensamentos, em um processo de amadurecimento em nossos dias. O evidente caráter mestiço da cultura brasileira forjada desde os tempos primeiros da primeira colonização que se formou a princípio no convívio com a cultura europeia, e ainda enfrenta obstáculos observáveis, quando se compara com o pensamento dos autores de hoje, analisados e debatidos, no contexto da cultura brasileira, que em suas raízes e convívio com instituições, em suas explicações teóricas, não aprofundam as análises das causas socioculturais, menos ainda, sem refletir no plano das ideias uma sociedade em constante mutação. Neste momento da história da cultura no Brasil as características subservientes ainda persistem: por exemplo, na carência de orgulho nacional e racial – sentimentos de nativismo e identificações de origem têm recebido aceitação e repúdio (este em maior grau), alternadamente, conforme sopram os coloniais ventos dos modismos. Desvios de olhares aprovadores, ora para a próxima e própria circunstância, ora para a ubiquidade atenta e atraída pelo global. É no interior desta formação paradoxal que elementos importantes podem ser observados ainda hoje, nos modos de ser, diante de pouca teoria e ainda na tensão entre sociedade e instituições com paradigmas e problemas estranhos, ardilosamente servis para discussões sobre o estágio que se encontram as ciências sociais e humanas no país. Os teóricos que fundamentam as ideias discutidas na área das Ciências humanas e da mídia formam um corpo substancial com pouco pensamento novo, embora exista muita produção, traduzindo as variadas dimensões da diversidade de pensamentos reciclados e que são aplicados aos meios midiáticos, em um processo continuo sem mudanças, que não ajudam a perceber como essas mesmas mudanças influenciaram as novas gerações a repetir comportamentos que definem politicamente, de maneira marcante, no desenvolvimento de uma área complexa, envolvendo o humanismo e a ciência da mídia. E eis que surge uma nova realidade no contexto do novo século: desenvolvimento vertiginoso dos mass media, reféns da aceleração das pesquisas científicas de base que alimentam as Ciências Humanas e Sociais de maneira geral – as Tecnologias, voltadas para o incremento e produção de instrumentos e artefatos utilizados nos processos midiáticos com rapidez de obsolescência, em razão de curto período de uso e já suplantado por um mais ‘novo’ e atual modelo. 6 E, neste contexto, as instituições de mídia ganham força e assumem papéis importantes (normativo e na formação do ‘juízo’ público), a confirmar sua condição de poder junto aos poderes do estado já antevisto pelo historiador inglês, Thomas Carlyle, desde os meados do séc. XIX – notadamente na área de telecomunicação com suas qualidades atuais de portabilidade, simultaneidade e ubiquidade refletidas nas intercomunicações individuais e de grupo viabilizadas pela Internet. Quase todas as grandes teorias não conseguiram consolidar o campo acadêmico das Ciências Humanas e Sociais no Brasil, pois em seus usos estão contidos imposição de ideias, de valores e de discursos alienígenas e estranhos como consequência da divisão desigual do mundo. O propósito de tais imposições é subsidiar as novas gerações de pesquisadores com elementos que inibam as resistências. A estratégia é mostrar que os espaços não se fortalecem criticamente na área por meio dos modelos de pensamento midiático local, pois, quando demandados pelas transformações e práticas locais, principalmente as de cunho cultural e trocas midiáticas, são inúteis, pois é o global que predomina. Os processos de intercâmbio de informações em nosso país mudaram no que diz respeito aos media, à indústria cultural, à pesquisa e ao ensino. No entanto, as teorias não refletem essas mesmas mudanças. Pode-se afirmar que o humanismo e a mídia de maneira geral no Brasil competiriam para refletir e debater essa visão alienígena antes de sua assimilação imediata; deveria registrar a ausência, o esquecimento e o desprestígio das teorias dos pesquisadores locais, e também do continente Latino Americano. Pouco se vê nas pesquisas das grandes instituições nacionais trabalhos centrados e fundamentados por autores que participaram ou participam dos grandes embates sobre a construção do universo multifacetado do complexo midiático e as causas desta fragmentação. O que se observa é uma repetição de citações e usos dos mesmos autores e ideias, reutilizando conceitos, dispensando reconceituações que deveriam levar em conta elementos e valores das “realidades” locais. Justificando o embasamento nas hermenêuticas filosóficas e prática, proposta deste conjunto de textos, torna-se contínuo refletir sobre a perceptível cisão observada no meio acadêmico entre os puramente teóricos de um lado e do outro, os tecnólogos, enfatizando a prática; percebe-se ainda existir a mesma cisão entre Universidade e Mercado frente às diferentes habilitações profissionais ofertadas àqueles que buscam o aprendizado na área. Tais discussões, em latência nos projetos acadêmicos de jovens-pesquisadores, afloram por 7 meio de temas, especificamente, documentados nos projetos e ideias, como resultantes dos trabalhos pouco reflexivos não só desta nova geração. No entanto, pensar mais e ver mais longe, podendo dizer ainda que, sem sombra nenhuma de dúvida e nenhum medo de errar, trata-se de buscar as grandes referências para projetos que queiram se vincular às práticas atuais, mas que necessitam, acima de tudo, de justificativas teóricas que deem conta de um sentimento ainda impreciso, que muito embora já dê sinais de encontrar-se em construção. É nítida a presença dessa mistura ambígua nas opções e ênfases colocadas nas disciplinas dos cursos de graduação em comunicação. Acredita-se na necessidade de mapear a Mídia no Brasil, em constante mutação, cheio de armadilhas e contradições. Neste território, há cruzamentos que colocam à mostra os movimentos da academia, os questionamentos e discussões sobre as dificuldades de se ler e lidar com nossos autores, pois os pesos e medidas recaem sempre positivamente nos autores internacionais. São empecilhos aos avanços necessários, envolvendo tanto os teóricos quanto os técnicos, que por sua vez também participam como autores da moda em um mercado de ideias em espiral crescente, estimulados, principalmente, por uma visão não muito clara, deixando emergir inconscientemente o sentimento de uma nação jovem que aceita e recebe com fervor as concessões de presentes sedutores. A cultura de massa tal como é praticada no Brasil, merece uma abordagem especial, dado que, como dito anteriormente, vivemos e sofremos influências provenientes da Europa, EUA e Canadá, de visíveis consequências. O Cinema, a Televisão, o Jornalismo são o resultado da interação entre teorias e práticas importadas em processos contínuos sem aclimatação, amadurecimentos e adequação à nossa realidade. A antropofagia tão decantada pelos modernistas cedeu seu lugar a uma subserviência sem crítica, predatória e dominadora. Por isso mesmo, Ciro Marcondes Filho alerta ironicamente, sem perder o rigor científico, que a Academia não gosta de comunicar e de comunicação, preferindo os discursos técnicos e vazios sobre as parafernálias. É neste sentido que as ideias marcondesianas da Nova Teoria da Comunicação ocupam importante espaço em nossas reflexões. Diversas teorias que constam do catálogo, assumidas como matrizes seminais não conseguem justificar um pensamento que tenha sido desenvolvido no Brasil e na América Latina. As consequências e os resultados dos usos políticos das teorias justificadas nos processos midiáticos com reflexos no humanismo, em quase todas as instituições públicas e privadas geram sentidos perversos no ensino e na pesquisa midiática. Não se trata aqui de 8 retomar a velha divisão proposta por Umberto Eco, entre apocalípticos e integrados, mas de uma sequência de projetos políticos implantados no Brasil, com resultados perceptíveis na formação de pesquisadores e docentes, cujas identidades e consciência de suas raízes oscilam. Faz parte da luta reconhecer o trabalho daqueles que palmearam cada espaço, demarcando territórios, como os bandeirantes. Por outro lado, reabilitar os pensadores humanistas brasileiros, é um dever em função não somente da importância de suas ideias, mas também dos desdobramentos provocados pela revolução tecnológica e midiática nos dias atuais. A construção do Humanismo, no contexto da Ciência da mídia também faz emergir implicações políticas e influências de ideias dominantes que chegaram e chegam até aqui, mudando os modos de pensar e praticar as relações humanas no Brasil, maquiando as especificidades locais, substituindo o processo de vivência e amadurecimento lento que redundaria, no mínimo, na reconstrução dos conceitos. Por isso, a comunidade acadêmica humanista, representada pelos livros e ideias dos autores analisados ainda briga por estabelecer conceitos como o de cultura, mediação e midiatização, fazendo valer aqueles outros que nos chegam prontos, tarefa segura e facilitadora em todo o processo. E o resultado, como se constata tanto no Brasil como em toda a América Latina, é o mesmo sentimento da atração vertiginosa, diante do conquistador, como o Moctezuma suicida ao receber historicamente, de maneira hospitaleira e cordial, os espanhóis. O complexo processo humanista, no contexto tecnológico da mediação/midiatização se constitui em um verdadeiro mercado de ideias que circulam na academia, que seria um locus hipoteticamente apropriado de reflexão, inclusive sobre o próprio mercado. São polos antagônicos que, por um lado, desvelam uma aquiescência ao pragmatismo, e por outro, uma tentativa de conjugar uma consciência crítica com conhecimento profundo que acabaria garantindo trabalho duradouro, independente das ondas tecnológicas. As distorções de conteúdos com característics ideológicas sempre existirão, pois, as universidades ainda não aprenderam uma maneira de conviver com a tradição, continuamente em confronto com o universal, exigindo fazer um acurado cotejamento crítico frente às novidades. Por isso mesmo, o clichê da aparição de forças de ação e reação que traduzem as tentativas de ingerências do mercado na academia. Acima de tudo, busca-se preservar, porém, em concomitância ao convívio com o novo, com o sempre novo, sem cair nas armadilhas ideológicas oriundas da crença de que a tecnologia resolve todos os problemas e traz soluções infalíveis, inclusive o da qualidade de tudo, até do ensino e pesquisa. 9 No contexto geográfico continental que habitamos, a consciência do gigantismo nacional traz discussões para que não se deixe de ressaltar a necessidade de diálogos (hermenêutica) entre as regiões do país, com enfrentamento das suas diferenças e semelhanças nas abordagens dos processos humanísticos e midiáticos, seja do ponto de vista dos conglomerados midiáticos, ou da academia, representando o ensino e a pesquisa. Pensa-se, sobretudo, em uma resistência crítica, necessária à inserção do pensamento universitário e também à convivência pacífica e utopicamente construtiva com o mercado. E justamente nessa problemática é que se localiza um distanciamento em muitos sentidos, inclusive entre Graduação e Pós-Graduação. As quase sempre sutis diferenças entre as teorias das matrizes estadunidenses, europeias e canadenses produzem seus efeitos e influências de modo também diferenciado e de acordo com cada realidade da América Latina. Neste contexto, as habilitações profissionais que envolvem as práticas culturais e midiáticas de cada país latino-americano ganham contornos que não deixam de se manifestar não somente em diversidade de cores, mas também nas vozes encarregadas de misturar as diferenças. São as culturas que, multiplicadas em comunidades se alimentam paradoxalmente de aparatos midiáticos, ao mesmo tempo em que tentam resistir a seu domínio e, elas próprias, porém, já melhor aparelhadas e preparadas para o enfrentamento da ameaça que representa a força cada vez maior do poder político e econômico. São os choques culturais provocados pelas diferentes realidades socioeconômicas mostradas pelos meios de massa, contrastando com aquela vivida na prática cotidiana. O século XXI, diante dos avanços tecnológicos e do acesso cada vez maior dos produtores/consumidores de informação e de ideologias, demanda por teorias que abarquem não somente as conexões por meio de redes sociais, mas também por novas práticas que estes usos implicam. As consequências desta grande mudança, começada no final do século passado e que continua de maneira aprofundada e muito mais acelerada no atual, ainda não foram sequer imaginadas em sua totalidade, muito menos configuradas, no que se refere a conceitos e teorias. Assim, diante das dificuldades naturais de se trabalhar com a contemporaneidade, entendida como fenômeno ainda em processo, a realidade brasileira e as instituições midiáticas podem se constituir em um grande laboratório, fornecendo elementos históricos, funcionando como guia para todos, com o intuito de nos instigar a prosseguirmos um árduo, mas proveitoso trabalho. Portanto, este trabalho que tem o humanismo e a mídia, fundamentados na hermenêutica e em sua essência que é o diálogo em sentido específico e amplo, como o centro de nossa discussão. 10 1.3 A HERMENÊUTICA E O HUMANISMO DIALÓGICO As ideias de Hans Georg Gadamer são muito conhecidas e debatidas na filosofia, em quase todo o ocidente, principalmente por aqueles interessados em discutir as questões relacionadas à hermenêutica contemporânea para além de sua aplicação original aos textos religiosos e à tradição jurídica. A grande contribuição de Gadamer pode ser encontrada em seu livro “Verdade e Método” (1960), traduzido para o idioma inglês, italiano, espanhol e português, entre outros. Um exemplo importante a ser mencionado, e de certa forma configura o início da relação das ideias gadamerianas à área de comunicação é a tradução para o italiano por Gianni Vattimo, no início dos anos setenta, que teve obviamente uma grande repercussão, graças também às apresentações e aos estudos do tradutor, dando origem na Itália a muitos outros estudos de diversos pesquisadores. Nos últimos anos, intensificamos o trabalho de leitura das traduções dos escritos gadamerianos que incluem, entre outras coisas, os importantes estudos sobre o pensamento de Platão, com os quais demos início a uma espécie de aproximação dos dois filósofos às Teorias da mídia, como extensão da Alegoria da Caverna. A iniciativa não veio ao acaso, mas pela extrema necessidade de se buscar elementos que pudessem justificar novas abordagens das teorias da mídia desde que não coincidissem com as centenas e centenas de estudos realizados nos países ocidentais e repetidos à exaustão por uma grande maioria dos pesquisadores da América Latina. A proposta de realizar e aprofundar estudos midiáticos, usando como base a filosofia de Gadamer tem como propósito, além de fugir da mesmice e das repetições facilitadoras, pensar o que temos de característico na área dos estudos midiáticos no Brasil e tentar extrair ou organizar uma espécie de essência de nossas práticas, de nossas teorias, de nossa cultura e de nossa identidade que possa, pelo menos, oferecer uma direção mais segura e menos subserviente. A publicação na Alemanha, das “Gesammelte Werke”, em dez volumes, encorajou a nossa brasileira Editora Vozes a fazer o mesmo, e isso facilitou muito o nosso trabalho a contribuir para que ficasse muito mais próximo do ideal que nos propomos. As atividades do filósofo de Heidelberg são muito vastas e complexas e esta pesquisa poderia ser e está sendo 11 um trabalho de décadas para aproximar de tal modo as ideias hermenêuticas à interação midiática, sobrepondo-as de tal modo que se transformariam em uma só, em só objeto. É este o nosso objetivo. Retomar um trabalho realizado por Gadamer ao longo de um século não é uma tarefa fácil e muito menos comum. Ligar essencialmente à realidade de Wahrheit und methode, a um trabalho teórico novo relacionado aos processos e procedimentos midiáticos, é sem dúvida, um atrevimento, não muito humilde de se tentar ou pelo menos sonhar com uma opera magna dentro da magnum opus do filósofo alemão, sendo em grande medida, uma forte recuperação da hermenêutica como debate no pensamento contemporâneo. Este trabalho, fruto tardio de muitas leituras e de alguma maturidade de pensamento traduz o resultado de pesquisas e reflexões ao longo de anos, representando uma síntese e compêndio de parte e alguns aspectos da obra do filósofo. No entanto, justo por isso, não significa que todo o pensamento de Gadamer está contido nesta pesquisa, não seria possível abarcar tudo o que ele produziu antes e depois Wahrheit und methode. No entanto, o mais importante em nosso trabalho é considerar o que a obra filosófica contém como trocas e conjunções de horizontes e o que algo de novo poderá surgir desta relação. Já nos referimos anteriormente que os estudos da mídia no Brasil, na maioria dos seus intentos não apresentam nada de novo, restando apenas obras de alguns poucos pesquisadores tanto como propostas e como atividades de pesquisa acadêmica. E neste sentido, do ponto de vista filosófico, podemos considerar como um grande desafio estarmos diante de tantas possibilidades e desdobramentos nessas atividades de pesquisa. Neste trabalho, para ser possível seguir cada passo da trajetória de Gadamer, tivemos que adicionar os estudos hegelianos em numerosos escritos, muitos dos quais são dedicados à leitura dos poetas: Rilke, Hölderlin e Paul Celan. O pensamento de Gadamer, pode-se dizer que nasceu gradualmente na interpretação, e sua hermenêutica filosófica cresceu por meio de um diálogo contínuo empreendido com os pensadores tanto do passado quanto do presente, principalmente com Platão e Hegel. No entanto, devem-se às ideias de Heidegger a longevidade de Gadamer, seu discípulo e seguidor. E esta vitalidade como estudioso e pensador tem transformado o seu pensamento em uma referência fundamental para a compreensão do debate, não somente sobre cultura humanista contemporânea, mas também sobre o intérprete e o mediador, no sentido mais denso de uma grande tradição filosófica que justo Gadamer é colocado como o herdeiro legítimo. Por isso mesmo, pode-se falar de muitos conceitos hermenêuticos caros aos estudos midiáticos tais como Compreensão, Interpretação, Entendimento, Mediação e, principalmente, Diálogo através da obra gadameriana. 12 Gadamer é parte importante de cultura humanista que corre o risco de extinção já em processo dado ao visível descaso ao Humanismo em nossos dias, e é um dos seus últimos grandes representantes. Obviamente, como não poderia deixar de ser, incluímos em nosso projeto outro desdobramento da pesquisa que terá como centro a Mídia e o Humanismo, por meio de pensadores como Marx e pós Marx que inauguraram novas formas de se pensar a mídia, a cultura e as relações humanas. No contexto alemão, a cultura é entendida essencialmente como Bildung que, se aproxima muito, e melhor complementa o que se entende hoje como mediação. Por exemplo, quando a cultura aparece fragilizada, de repente surge uma inesperada vitalidade e capacidade de renovação e poder. Nossa ideia de debate e de leitura da obra de Gadamer, não somente como filosofia, mas, também como mediação, se justifica porque os seus conceitos estão amadurecidos e próximos dos conceitos midiáticos que traduzem os sentidos de maneira muito mais completa do que aqueles adaptados. Acreditamos que a característica mais importante da filosofia gadameriana seja provocar reflexão, vigilância crítica, em um exercício constante de humanismo. Isto quer dizer que a obra é ainda mais significativa porque faz parte de um século que testemunhou falsos humanismos e falsas culturas como construção, teorizadas também como mediação. Ensinava o filósofo sobre o século XX que passou: devemos começar a reconhecer a razão como a capacidade de reconhecer no Ser o centro de nossos interesses. Trata-se de reconhecer que basta ter vontade e coragem para se chegar à verdade que está em todas as coisas. É preciso trazer de volta a honra e a razão, juntas. Mesmo tendo vivido o século XX inteiro na Alemanha, Gadamer se manteve fiel a esse princípio. É isso que torna seu exemplo importante. Este trabalho é uma tentativa de ler os textos, as ideias e as características específicas de um autor que vivenciou, debateu e compartilhou com outros grandes pensadores as discussões mais importantes do século XX. Nossa síntese crítica e consciente de limites, não pretendeu ir muito mais além de um balanço crítico ou uma avaliação, pois o próprio Gadamer já o fez, mas, ver em detalhes nos interstícios de seus textos, minuciosamente mesmo e com paciência, uma maneira de enfrentar o momento atual do humanismo e da mídia, e como quer Gadamer, chegar a um ponto de vista mais verdadeiro sobre as coisas. Este trabalho é especificamente um estudo do pensamento de Gadamer, que objetiva fazer emergir aspectos importantes de seu trabalho que foram pensados como troca, como Cultura e como Arte, no entanto, se mantiveram na penumbra, nem sempre 13 considerados como mediação como mereciam, não tendo o mesmo espaço humanístico, cultural e midiático que os frankfurtianos tiveram. São os efeitos perversos dos meios massivos. De maneira pessoal, nossa intenção levou-nos a não descartar a hipótese de se estar em uma encruzilhada do pensamento contemporâneo. Imagem da conexão em rede projetada para simular um lugar em que muitos passam e poucos ficam. Acreditamos, no entanto, que Gadamer deve ocupar com justiça um lugar especial com esse seu pensamento especial, construído no Diálogo como sempre foi feito com a filosofia Grega. É neste sentido dialógico, com as Culturas e para o Humanismo que sua Hermenêutica caminha em direção à Mídia. 1.4 JUSTIFICATIVAS O século XXI transita da revolução eletrônica para a digital com abrangência planetária na complexidade das relações humanas mediadas, ampliando indefinidamente as Ideias e conceitos sobre as transformações tecnológicas que devem ser mais bem justificadas como um modelo que caminharia para uma proposta de Teoria. Neste contexto, as ideias kantianas concebidas no século XIX e outras tantas até meados do século XX são importantes para se pensar e atualizar os conceitos da linguagem digital tal como a percebemos na atualidade, forjados pela prática. São conceitos emergentes e necessários às análises das questões fundamentais neste momento. O objetivo principal deste trabalho foi e ainda é contribuir a partir das discussões embrionárias e ainda iniciais sobre o conceito de Técnica e Tecnologia, permeados e irmanados pela prática, à luz da Teoria do conhecimento de Kant, que possibilita fundamentar, envolver e retomar o conceito de Contemplação, embrião do conceito de Teoria, para ampliar as discussões e pensar melhor o século XXI, que funciona como um Mapa do desenvolvimento da tecnologia, registrando uma contínua transformação, em muitos processos mediáticos, no sentido de gerar, transformar, armazenar, transmitir, processar e recuperar a informação. 14 Os resultados reunidos neste trabalho começaram a parecer, mesmo timidamente, a partir da análise da ideia kantiana que está no início da Crítica da Razão Pura de que todo conhecimento começa pela experiência. Em profundidade isso quer dizer que os nossos sentidos são afetados quando experimentamos e somos de certa forma, levados e transformados por uma prática, cada vez mais intensa, como um “convite urgente e necessário” para, não só atualizar os conhecimentos já adquiridos, mas ordenar essa participação em um caminho ou rota, rito importante do processo. Neste sentido, o conceito de Teoria, como atividade humana, pressupõe antes de tudo um Entendimento hermenêutico não somente como vivência, mas também como vida teórica, não equivalendo exatamente, mas se contrapondo à ideia de vida prática. É neste sentido que Kant alerta que todo conhecimento se inicia com a experiência, mas nem tudo deriva dela. Neste sentido, nosso propósito maior foi e continua sendo o de falar em produtos midiáticos criados a partir de formatos digitais que transitam em diversos espaços simultaneamente, sem intervalo de tempo e que são compartilhados como uma reconfiguração adaptada às problemáticas temporais e espaciais resultantes desse mesmo processo. Pretendeu- se repensar os vários sentidos do conceito de teorias, juntamente com as novas articulações nas Culturas e no Humanismo nas mídias digitais para avaliar o alcance e os limites desse topos contemporâneo. Os procedimentos Inter, Multi e transdisciplinar das Mídias e consequentemente das Culturas que produzem, por seu excesso, dificuldades de apreensão de sentido tanto para os internautas, e profissionais de mercado como para acadêmicos. Deste mesmo modo, os profissionais de mídia, que utilizam as linguagens digitais e tmbém os que a têm como objeto de pesquisa e ensino, necessitam de bases teóricas para fundamentar projetos capazes de acompanhar, por meio de suas práticas, as permanentes mutações. A contração do tempo e a obsolescência precoce das tecnologias contemporâneas dificultam - e requerem – a compreensão de sua natureza na percepção e elaboração do conhecimento crítico dos novos media. Por fim, são esses processos que contribuem para a construção de culturas carregadas de um tecnicismo marcante e por isso necessitam de aprofundadas análises e avaliações permanentes. Os múltiplos aspectos que envolvem as práticas digitais são discutidos em suas diversas dimensões, seja teórica, histórica, linguística e metodológica, efetivando criticamente reflexões em torno do tempo especial vivido pela experiência e praticado como um todo. As reflexões sobre as linguagens digitais na contemporaneidade complementam e identificam o lugar da 15 técnica, não somente em relação às teorias, mas também quanto à sua importância como descrição das noções fundamentais no processo de compreensão da técnica e de sua influência. Nesta busca de afirmações que todos compartilham e se posicionam como atividade técnica, mercadológica, profissional, culminando com sua interface nas pesquisas midiáticas realizadas pela academia, abarcando o ensino de suas práticas e os estudos teóricos. Prega-se neste exato momento a necessidade de se rever e se pensar os princípios éticos no que diz respeito ao compromisso que os estudos têm, de maneira geral, com o seu público que poderá se comportar de maneira maravilhada ou apocalíptica. Trata-se de uma emergência que diz respeito à liberdade e dever de crítica necessária a todo tipo de revolução, mais ainda às tecnológicas. Nestes processos emergenciais, incluem-se as questões ideológicas que forjam outros tipos de apropriações, outras formas de fazer, outros saberes e, mais ainda, outros receptores, nas várias produções midiáticas digitais sejam de textos verbais, não verbais ou imagéticos e mistos. É a informação que se transforma em cultura em seus vários sentidos: do ético, do bem comum, da verdade, princípios fundamentais de uma sociedade mais humanizada e mais feliz. As diferentes instâncias, públicas ou privadas, face à revolução tecnológica também enfrentam os mesmos dilemas que começam pela falta de teorias que refletem ou justificam os novos usos ou pela adoção de teorias desgastadas, que carregam ranços de outros contextos geopolítico-culturais e temporais. Desse modo, ambas as instâncias necessitam de atualizações e adaptações, e mais ainda: de modelos que expliquem esse mundo em revolução, ao aglutinar à comunicação seus segmentos como estratégias e linguagem. Os estudos e os processos relacionados à digitalização ocupam espaço privilegiado na área midiática, pois lidam com as práticas compartilhadas em múltiplos ambientes. Trata-se de gestão de processos digitais, tendo as noções fundamentais de produção e tecnologia que acompanham o homem, traduzidas nas suas relações com a máquina. Deste processo, os dilemas humanos que surgiram na transição do século passado para este novo, obrigaram todos a repensar as práticas e teorias - ponte entre mercado e academia. O audiovisual, por exemplo, a fotografia, o rádio, o cinema, a televisão, incluindo outras mídias sonoras, discutem o momento presente, promissor tecnologicamente, mas igualmente carente de novos paradigmas nas relações humanas e também de modelos teóricos e metodológicos que espelhem essas constantes mudanças. De certo modo, enfrentam-se as mesmas contradições e dilemas de uma área em plena expansão: os problemas são os mesmos 16 e a passagem pela encruzilhada tecnológica fornece muito material crítico, no sentido humanista, para pesquisas relacionadas à linguagem e também à técnica. Quando se fala em multimídia, em ambientes multimidiáticos, nos remetemos basicamente às discussões fundamentais, as várias dimensões da técnica nos estudos da mídia ou dos media a exigirem uma atualização constante. Basta lembrar “os conceitos de “Tecnologia”, “Técnica”, Máquina criadora”, entre outros, para historicamente vincular a revolução vivida hoje com os problemas enfrentados nas últimas décadas do século passado. Nomes de pioneiros como Marshall McLuhan são retomados metaforicamente como modelo, tendo como propósito a tomada de consciência do tamanho da revolução à nossa volta, os níveis de implicações em nossas pesquisas bem como sua amplitude que buscam respostas teóricas e metodológicas. As aplicações das tecnologias na América Latina enfrentam questões espinhosas que envolvem, segundo Álvaro Vieira Pinto, certo homem maravilhado, a cidadania, as minorias étnicas e de gênero, as dimensões e diversidades étnicas e culturais e espaciais e os discursos ideológicos sobre o local, o regional e o global. Demasiado complexo o universo gerado por múltiplas preocupações findadas e assinaladas como importantes por tornarem as questões temáticas aqui apresentadas de grande responsabilidade. Em nosso contexto geográfico, os latino-americanos viveram durante décadas sob a égide de dois únicos e grandes pesquisadores, que se tornaram referências também únicas e modelos igualmente únicos. É de nossa responsabilidade encontrar outros caminhos teóricos, descobrir ou trazer à luz autores que fazem pesquisas, teorizando e buscando dialogar com as mesmas questões compartilhadas por todo o continente, sem cair no vazio, obrigando-os a usar sempre os mesmos conceitos. Como já temos dito com certa constância, as teorias da mídia ainda não encontraram seu próprio caminho. Vivemos a síndrome da autoridade estadunidense-canadense e europeia. Nós não nos lemos e, não nos conhecemos. O que parece reverberar a voz e o canto que afirmam que o Brasil não conhece o Brasil. 17 1.5 ENFRENTAMENTOS: MEDIAÇÕES OU O ENCONTRO DE HORIZONTES Parece haver uma crise geral de reconhecimento de questões candentes e de fuga ao autorreconhecimento. Nossas pesquisas caem sempre em um vazio mortal. São esquecidas e sequer lidas por nossos pares. Como já dissemos, sofremos do complexo de Montezuma, sentimos uma atração vertiginosa e incontrolável por aquilo - seja o que for - que vem de fora. Não se trata de reivindicar xenofobia – passemos muito longe disso, mas de buscar diacrônica e sincronicamente justificativas em nossas raízes para o que somos ou para o que queremos ser ou escolheremos não ser. É este o propósito deste texto. Temos mitos, história, ritos, autores: cultura em vários sentidos, inclusive o tecnológico com “apocalípticos e integrados”. Esta pesquisa nasceu há algum tempo atrás, diríamos, faz anos que se engendra. Nasceu de uma vontade de compartilhar, ideias, ansiedades, desejos e sonhos sonhados e por sonhar. Como o personagem de André Gide em seus moedeiros falsos diz que somente os romancistas colocam ponto final. Na vida, tudo sempre continua: as mesmas repetições, mesmos autores, até as mesmices e o lugar comum. O texto que apresentamos é o resultado de parte da produção, que desenvolvemos na UNESP de Bauru (2017-2023), relativo ao processo formal de pesquisa e resultados que agora apresentamos os resultados que concretizamos, especialmente, sobre o Humanismo as Teorias da comunicação, atualizadas como Teoria das Mídias, pensadas de maneira específica e aplicadas às linguagens, fazendo possíveis e necessárias intersecções com as teorias da comunicação e a filosofia do século XIX e XX Alemãs, principalmente. A justificativa de nosso trabalho dá-se em função da premente necessidade de se pensar as teorias como fenômenos humnos e midiático que, por meio das práticas ganham outras relevâncias e projetam novas dinâmicas com efervescência motivada, principalmente, pela oferta de novos dispositivos produzidos pelas aplicações tecnológicas em nossa atualidade. 18 Agregamos alguns autores em torno dos temas, alertando que este é o resultado em que é possivem perceber certo limite ainda tímido de nossas preocupações teóricas. O trabalho teve como ponto de partida os conceitos de Teoria, Técnica e Prática e suas relações intrincadas com os processos essenciais midiáticos, levando em conta as dificuldades enfrentadas, principalmente em função de inúmeras correntes teóricas e da diversidade de análise e abordagens autorais. Nesta trajetória a hipótese de que os processos mediáticos, em suas dinâmicas próprias, podem e devem ser repensados a partir de elementos que surgem de uma intensa troca, justificando a vivência da prática para a atualização dos conceitos como resultados destas mesmas experiências, ou seja, as relações sociais e humanas consideradas como um grande laboratório, como processo complexo e dinâmico de trocas interativas, cognitivas, espirituais, emocionais e afetivas propiciadas pela técnica. Novamente, aproveitamos a clássica definição de Kant de que a filosofia é a ciência da relação de todos os conhecimentos com os fins essenciais de razão humana, pressuposto na definição de que a tecnologia, em sua dinâmica, pode ser compreendida também como questão filosófica, dado que as trocas como processos são imperceptíveis, por sua condição subjacente às relações sociais, combinando aspectos culturais, temporais e subjetivos, resultado das apropriações ideológicas das tecnologias e de como são compradas, vendidas e assimiladas. De outro modo, a partir da introdução de tecnologias, de início, a revolução industrial, pensada em seus vários estágios, ao inserir técnicas de produção e reprodução de diversos produtos, inclusive imagens artísticas, com suas máquinas reprodutoras, mas também mediadoras, foi possível perceber a erupção de outras formas de construção de culturas, outros condicionamentos, outras capacidades de significações, tanto no contexto social quanto no político e econômico. É neste sentido que entendemos que a técnica como sistema de cultura pode representar as finalidades máximas da Razão como tecnofilia e justifica-la politicamente como tecnofobia. Neste sentido, a dificuldade de se definir o conceito de razão técnica como processos subjetivos e delicados de percepção, instigou-nos a repensar a mediação como linguagens autogeradoras de sentidos indeterminados e imprevisíveis que provocam rupturas nos conceitos já desgastados pelos usos, suscitando a transcendência ou o ir além: o mundo mental seria parte de outro mundo diverso, e o percebido silencia-se no universo solitário e particular. O midiático como corpo também seria parte de um processo mental. 19 Impossível não ressaltar as discussões sobre o conceito de mídia como a técnica dentro da técnica e uma das grandes contribuições que consiste na ideia de que a linguagem atua constantemente como médium, tradutora e mediadora das experiências humanas, levando em conta não somente a transferência de conhecimento, mas também a participação imediata de Um no Outro interlocutor, pois só assim é possível compreender o que se exprime, pondo-se de acordo com a linguagem, objetivando exprimir consciente e inconscientemente o pensamento. As experiências vão além da mera reprodução abarcada pela linguagem, indicando acordos fáceis ou difíceis, tomadas de consciência e, ainda, as condições em que se realizam qualquer mecanismo de linguagem como entendimento prático. Por isso mesmo, tenta-se evitar tanto o empirismo simplista como o racionalismo radical e dogmático. Por outro lado, a linguagem pressupõe fórmulas numéricas tradutoras de sentido de um contexto para o outro. É nesse ponto que acrescentamos a necessidade de atualização dos principais conceitos resultados desta nova ordem tecnológica que preconizam a necessidade sine qua non do domínio não só dos códigos, mas também dos avanços tecnológicos que de uma forma ou de outra alteram os modos e usos práticos. Mesmo assim, traduz, usando a linguagem como médium, em um processo de trocas de conhecimentos e de consciências, além de experiências entre os interlocutores. Mesmo que o conceito de troca seja questionado por muitos teóricos, ele é essencial. Esse debate pode acontecer em várias etapas que envolvem decisões dedicadas de ambas as partes, implicando uma reiluminação. Neste sentido, importante reafirmar que a linguagem é o medium universal e cada mídia a desenvolve e aprimorar a sua própria elaboração e compreensão de conteúdos, seja na forma escrita, oral ou por imagens, mantendo observância na inclusão de usos e costumes, elementos essenciais da cultura. Assim, cada meio massivo desenvolve sua linguagem, isto é, reconverte seu texto em linguagem, que pode ser classificado como “consciência compreensiva” realizada através do que foi compartilhado, incluindo aí a ideia da intervenção tecnológica e de sua relevância nestes mesmos meios massivos. Neste ponto, a linguagem organiza a possibilidade mediadora que torna concreto o próprio sentido. Por isso mesmo, equivale dizer que por mais eficaz que a tecnologia seja, é esta uma reconstrução matemática, no sentido tradutório das intenções que seriam plenamente atingidas. Os processos mentais de ordenação e seleção gerariam possibilidades em grau infinito, tais como os técnicos, mas isso não quer dizer o absoluto. 20 Neste contexto, os modernos sistemas como, por exemplo, a complexidade da tecnologia móvel, com todas as suas potencialidades como a Internet que se impõem como base de convergência, ocupando um espaço importante nos estudos dos fenômenos sociais. O fenômeno da Interação já não se restringe a uma trajetória linear entre fonte, mensagem e destinatário. Não é mais uma mera transferência, mas admite ser pensada também como mistério ou como fenômeno inexplicável, no sentido discutido por Ciro Marcondes. Não se pode, portanto, reduzi-la à simples transferência ou tradução. Mesmo diante de argumentos teóricos sólidos conceitua-se, ainda, a tecnologia como diz Álvaro Vieira Pinto: “um conjunto de técnicas de que se dispõe uma determinada sociedade em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento”. Neste sentido, independente de se ampliar discussões sobre os vários conceitos: homem, máquina, técnica, tecnologia e de como compreender problemas relacionados aos aparatos ou extensões tecnológicas. Alguns autores argumentam, pensam e enfatizam os fenômenos físicos, outros; os fenômenos sociais articulados às múltiplas dimensões e funções ou protocolos. Lembremo-nos de que Shannon como engenheiro empregado de uma companhia telefônica, teve como objetivo principal a melhoria de qualidade da transmissão do enunciado do falante ao receptor, independente do conteúdo. Desse modo, acreditamos que “a teoria matemática” deste autor deve estar situada mais apropriadamente entre as teorias da informação, mesmo que tenha ocupado seu lugar, também, entre as “teorias” da comunicação. Independente de quaisquer protocolos, a tecnologia está relacionada à construção social da realidade e aos valores das ações e interações, à reconstrução que cada um faz sobre si mesmo e do mundo, e buscar um sentido visto como epistemologia da técnica a justificar reflexões críticas sobre o processo objetivo, direção necessária à teorização, sem qualquer tipo de mistério. Neste contexto, um de nossos propósitos foi pensar em uma hipótese que sistematizasse as reflexões conceituais de Vieira Pinto sobre as tecnologias, construídas por ele como um processo seletivo e maduro muito particular de ideias antigas e novas, tendo com base, , por exemplo,as ideias de Aristóteles, Kant, Heidegger, como aquilo que foi constituído como um saber necessário, vale dizer, como fundamentação, de maneira mais elaborada e sólida, as concepções sobre o tema. Portanto, este processo de fundamentação está interligado à distinção entre questões tecnológicas da atualidade como a crença em uma nova história com o surgimento da cibernética e das máquinas processadoras de inteligências. E neste sentido mais categórico 21 afirmamos: não é possível discutir neste contexto, sem se levar em conta as categorias dialéticas do Ter e do Haver, apontado por Álvaro Vieira Pinto como aspectos importantes no desenvolvimento da razão técnica, reflexo da construção da razão teórica e do caráter simultâneo, contínuo e descontínuo da tecnologia. Fez-se necessário, neste sentido, ainda, discutir e reexaminar os conceitos de sociedade em face da “era tecnológica”, fazendo aparecer ideologicamente a figura do homem maravilhado, que permeia as relações sociais, econômicas, interpessoais e afetivas. Isto possibilitou assumir que a compreensão da máquina se dá por sistemas de significação de base social e traz novas perspectivas de ver os objetos como pensantes e criadores. A partir daí, por exemplo, surgem também abordagens teóricas novas para explicar fenômenos que nascem das relações humanas com as máquinas de diversos modos: analisar o funcionamento da mente humana e do sistema nervoso central; o caráter genético da individualidade dos seres humanos, entre outros. Novas formas de representação, memorização e manipulação podem ser repensadas ao mesmo tempo como economia, facilidade e comodidade no armazenamento da informação. Por isso, torna-se fundamental saber, por exemplo, aspectos qualitativos e quantitativos daquilo que foi armazenado, melhor dizendo, o que foi memorizado e o quanto foi esquecido e ainda o custo de tudo isto. Este processo não está dissociado da tecnologia da informação. É a ampliação da potencialidade humana, como causa e efeito que mudou o modo de entender as complexidades dos processos sociais. Assim, neste conexto tecnológico, há um total controle de informação e das pessoas. De maneira planejada, as pessoas são submergidas cotidianamente por informações em quantidade acima de seus limites. As instituições alegam o direito de gerar e também o de difundir informações. Por outro lado, há ainda o direito de recebê-las, mas há também o de não as receber. É neste sentido que a Sociedade da Informação parece estar reduzida às relações econômicas. Neste contexto cultural, também argumentamos sobre a possibilidade de se fazer uma síntese do homo economicus com o homo juridicus como simples ator do mercado que tem leis, além de direitos, ambos estabelecidos pelas instituições. Por isso mesmo é que recorremos às teorias de Gadamer para afirmar que a linguagem é o sinal da mediação devido a sua natureza processual e pragmática. É na linguagem que os atos mediáticos ganham formas e sentidos e se distinguem entre operar e compartilhar, mas como mediação de uma obra social em contínuo processo. E é este mesmo processo que torna a comunidade culturalmente forte, resistente à reificação mercantil, indo além de qualquer lógica econômica, institucional ou técnica. 22 Portanto, os jogos linguísticos elaborados pelas comunidades sociais criam vínculos, impõem limites, mostram divergências. No entanto, existe uma dinâmica na criação de regras, rompendo continuamente com os limites. Seria lícito afirmar que as tecnologias não acompanham todos esses acontecimentos em comunidade. A comunidade e a mídia são constituídas por indivíduos, e não ao contrário, pois a segunda se faz necessária para fazer do homem um ser social, dando forma a seus comportamentos, multiplicando de maneira ilimitada a comunidade. Por outro lado, o contexto, a cultura e a comunidade em que acontece a mediação desempenham papel importante, pois criam, transformam os contextos e projetam as relações entre contextos e cultura. É neste sentido que nos interessou discutir, no contexto tecnológico a linguagem, aproximando o conceito de linguagem ao conceito da “fala” social saussuriana como um processo contínuo que evolui também de maneira contínua, criando novas possibilidades a partir de como as pessoas a praticam. A linguagem é, de maneira abstrata, composta de múltiplos jogos linguísticos e caracterizam as múltiplas comunidades e formas de vida do próprio homem. Compartilhar jogos linguísticos é dinamizar as práticas. E somente assim, conseguir atingir seus objetivos, tornar comum, por meio dos jogos linguísticos que delimitam e regulam. È este um aspecto do Humanismo. Discutir a tecnologia como simples transferência através do uso obrigou-nos a retomar em nosso trabalho o debate a respeito da revolução tecnológica, caracterizada pela obsolescência nos contextos físico-espacial ou organizativo-social. Neste processo, há uma dependência da cultura e do compartilhamento devido, principalmente, a seu caráter dinâmico, processual e autorreferencial. . E neste sentido, afirmamos que as práticas tecnológico-midiáticas em rede criam comunidades, coloca os seus participantes em estado de sincronismo, cria identidade coletiva que distingue quem participa de quem não participa. E a comunidade toma forma, cria limites e sentido. É a ação que engloba as pessoas na comunidade e não haveria limites e nem identidades no processo. Por isso mesmo, a linguagem modelada pela tecnologia só ganha sentido dentro de uma comunidade com sua cultura, pois cria comunidade, não somente cria, mas multiplica as comunidades e ao multiplicar as comunidades cria novas formas de interações e trocas, como se pode observar, hoje, com o incremento das facilidades para interações entre os indivíduos, ainda que a priori sejam pertencentes a comunidades distintas. Acrescentando mais alguns argumentos a essa mesma discussão, as comunidades são constituídas de individualidades, mas a tecnologia se faz essencial para fazer do homem um ser 23 social, dando forma a seus comportamentos sociais, multiplicando ilimitadamente as comunidades em que participa e dando forma a cada uma delas. Assim, perguntamos: de que maneira estes processos que criam, multiplicam, e dão forma poderiam ser pensados como propostas teóricas? Da discussão acerca dos conceitos vários circundados pelas Tecnologias podem vir contribuições teóricas e metodológicas para se pensar as questões contemporâneas, com seus desdobramentos multidisciplinares, interdisciplinares e intertextuais. Nesta mesma discussão linguística e ao mesmo tempo tecnológica, percebe-se uma construção ativa e profunda. Impõe-se fazer uma reflexão sobre todo o processo que, sem esse exercício, torna-se difícil analisar as interações e trocas. Os múltiplos sentidos gerados pelas relações sociais no processo de apropriação de tecnologias não eliminam os problemas. As teorias podem esclarecer dúvidas. Nesta perspectiva há, primeiramente, a necessidade de entender o que está sendo construído como cultura. Encontrar significados divergentes diz respeito à dificuldade de ver o que está próximo temporal e espacialmente. Pouco importa se a linguagem organizada e veiculada se libertou das intenções, ganhou autonomia. O que é fazer uma crítica, tendo como base um pensamento que aponte caminhos e proponha roteiros? Verifica-se que há um abismo entre o novo e o obsoleto. Não há controle das práticas e não se pode saber em que elas resultam. Deste modo, reconhece-se a dificuldade em lidar e pensar o contemporâneo no sentido teórico. Será possível esclarecer as dúvidas nesta corrida sempre em direção ao novo? A tarefa é objetiva e ao mesmo tempo ativa. A pesquisa dá vida às práticas cotidianas e ao mesmo tempo, de modo claro, tenta encontrar respostas circunstanciais. E nessa procura de respostas, propõe- se preencher o maior número de brechas possíveis. Há, portanto, uma tomada de consciência dos limites materiais de se lidar com máquinas processadoras de atividades intelectuais, por exemplo. Por outro lado, como prever os resultados dessa relação entre homem e máquina é inevitável no contexto? Se as ações, os acontecimentos e as experiências humanas estão imbricados nos processos tecnológicos, torna-se imperioso tomar cuidado para não se fechar em apressadas conclusões, diante de verdades parciais de que tudo se liquefaz tanto teoricamente como nos comportamentos e nos modos de pensar o cotidiano, em decorrência de modelos impostos. Há forças, alheias ao processo, que, ao se imporem, transformam tudo em verdadeiro jogo. A dimensão objetiva com seus elementos estruturantes transforma-se apenas em uma base, mas não é suficiente para garantir segurança e validar propostas teóricas, tendo como respaldo os nossos pares acostumados com ideias alienígenas importadas. Neste ponto, não se pode falar 24 em ideias autônomas: a materialidade do discurso de autoridade científica só tem validade porque repete o ideal e as emergências internacionais. Neste contexto, o conceito de Teorias, projeto que levanta discussões midiáticas esclarecedoras, é na verdade uma dinâmica sequencial envolvendo e abrindo caminhos para um completo compartilhamento em constante diálogo, como base para determinar a mediação. Na mediação está explícita uma teoria que dialoga com a tecnologia, incluindo a memória, sem esquecer objetivamente da tradição, da historicidade e o que estes conceitos comportam. O contexto é rico em elementos que possibilitam estabelecer procedimentos metodológicos de abordagem tecnológica. Deve haver sim, um esforço para superar as resistências. É neste sentido que, a mediação enquanto técnica deveria ser entendida e fundamentada na filosofia. Não se deve esquecer outra influência importante que foi Wilhelm Dilthey ao difundir a memória como o elemento diferencial das ciências humanas em relação às ciências da natureza. Sua proposta era fundamentar um processo rigoroso nas ciências humanas por meio de mediações tecnológicas, ligando os vários universos, as várias culturas, as várias vivências, numa tentativa de supressão das distâncias numa prática de compartilhamento de experiências e de visão de mundo. Desse modo, acreditamos que a importância de Schleiermacher e Dilthey encontra-se no fato de direcionar o pensamento humano, centrando-o na atualização de conceitos. A presença de pensadores como Heidegger em um trabalho teórico provoca uma radicalização no tratamento do tema da “compreensão” tecnológica. Heidegger vê na tecnologia uma volta humana à natureza como um processo possibilitado pela intensificação do conceito diltheyano que marcará definitivamente os caminhos e as mudanças em seu pensamento filosófico sobre o Ser. Nesta importância, coloca- se a dinâmica midiática que se estabelece, justificada nas teorias. O Ser – aí compreende, mas que também se faz compreender em um processo intenso de diálogo que se projeta no mundo como vivência e que faz o elo entre a tecnologia com os vários momentos do Ser no Tempo. Este mesmo Ser dialoga com as estruturas prévias já sedimentadas e que fazem parte de um conhecimento midiático acumulado. Por exemplo, a mediação é um jogo com regras mutantes e o campo desse jogo é formado por elementos Técnicos, culturais, sígnicos e histórico-linguísticos. É dessa interação dialógica entre os elementos que poderíamos aplicar a ideia de fusão de horizontes à mediação, pois, envolve uma pluralidade de elementos que orientam a 25 compreensão e apropriação das tecnologias. Difícil não associar todo esse processo aos meios massivos, pois o caráter institucional tão caro à mediação se repete na necessidade das tecnologias, independentemente do número de pessoas envolvidas. Os horizontes e os universos culturais se misturam e se interpenetram. Por isso, fez-se necessário levar em conta os repertórios de vida, de acontecimentos e mundo que formam e determinam as modulações, obedecendo às condições particulares de cada horizonte que se interceptam. As tecnologias envolvem as estruturas prévias que, na verdade, são indispensáveis para se participar do jogo técnico-midiático para se perceber os limites do universo de cada participante desse mesmo jogo. E nesse esforço entram no jogo as trocas repertoriais necessárias, enquanto o modelo racional ganha espaço. O objetivo não é descartado, amenizando o subjetivo. Ressalta-se que o pensamento hermenêutico vê como necessidade a superação do esquema sujeito-objeto. Embora seja necessário que se faça a distinção entre objetivo e subjetivo, é desse jogo que surgem novas propostas teóricas nascidas das tentativas de correção e autocorreção dos pressupostos. Toda invenção tecnológica, em sua circularidade, é uma realização própria inesgotável de possibilidades de sentidos daquilo que se tenta incluir. Daí as repetições que fazem parte das regras do jogo. O sentido das práticas tecnológicas não se esgota e revela as possibilidades. É nesse sentido que o caráter da tecnologia é aberto, evitando sequer pensar em qualquer tipo de arbitrariedade. O que está em jogo é fazer emergir o que precisa ser pensado: fundamento com ideias, eliminando e superando os limites que reforçam com o intuito científico, as distâncias temporal e espacial presentes no objeto experimentado. Portanto, de maneira específica, estetrabalho é também uma crítica à tecnologia como instrumento de dominação, englobando, inclusive, a sua concepção tanto como técnica quanto como linguagem, e ainda o seu caráter político para além do instrumental. 26 1.6 CIRCUNSTÂNCIAS METODOLÓGICAS Fazendo justiça ao célebre começo de Crítica da Razão Pura, de Kant, intensamente comentado por Gadamer, quando associa diretamente conhecimento à experiência, fica explícito que devemos buscar metodologias que acompanhem a ciência no século XXI que sofreu e ainda sofre os efeitos do desenvolvimento tecnológico do século XX. Ainda estamos fazendo a passagem do século passado para o atual, pródigo em experimentações, mas foram esses mesmos movimentos experimentais que contribuíram para que um novo projeto político e social, cuja práxis dividisse o planeta em duas ideologias. É neste sentido que ainda estamos praticando muitas das mesmas ideias, pensadas no século passado ainda a provocar dúvidas quanto às suas validades e aplicabilidades no século atual. Por exemplo, é importante retomar Kant, qundo assume que conhecimento e experiência revelam a essência do ser humano. É caminhar em uma determinada direção em que há um saber adquirido, através da práxis, acumulado pelas vivências, verificado não só na herança cultural e na tradição, mas acima de tudo na necessidade de teorias, justificativas e métodos. Pensar esse saber subjetivo e instável, a buscar caminhos científicos seguros para a experiência em nosso contexto espacial e temporal. Não é possível avaliar em que dimensão poder-se-ia adaptar ou atualizar as teorias existentes ou buscar novas que justifiquem a tentativa de delimitar os objetos, considerando ser interminável a tarefa do pesquisador que é a de determinar/delimitar o objeto, no contexto contemporâneo da práxis como aplicação da ciência. E deste modo, pressupor na escolha e decisão, o caráter infinito de ciência que, se contrapõe ao imediato da práxis. É neste sentido que a ciência não é mais a essência do saber sobre o mundo e o ser humano, pois a ciência moderna se traduz em experiência. Da mídia à mediação, ultrapassando a estreiteza dos preconceitos já é, em si, a tentativa de se abrir, hermeneuticamente para o Outro e neste Outro o encontro de horizontes, a troca de 27 experiências que se dá verdadeiramente no diálogo mediado de maneira mais rápida. Nesse intercâmbio, há o acordo como consenso, mas com desfecho ainda ignorado, comportando aventuras e riscos com final imprevisível. Em sua essência, o diálogo com a tecnologia se constitui em um processo amplo de atualização dos conceitos aplicados aos processos digitais, às imagens eletrônicas (digitais ou analógicas) pictóricas também como objetos tecnológicos, incluindo as linguagens, ampliando ainda mais o espaço de troca entre mundos, realidades e horizontes. Especificamente no caso brasileiro e também da América Latina para falar de emabasamento teórico, fez-se necessário realizar uma retrospectiva, retomando as intrincadas questões históricas e culturais que são, acima de tudo, questões políticas. Por exemplo, os meios massivos, em sua quase totalidade, estão inseridos em um jogo político com funções determinadas, ainda que negadas peremptoriamente. Negação que nada mais é do que fruto de cumplicidade. São as contradições latino-americanas que precisam, dialeticamente, ser estudadas para que, pelo menos, um esboço teórico comece a ganhar forma, justificando o sentido do conceito de Theoria que, vista de modo ampliado, quer dizer cortejo, ritual organizado com muitos participantes com a finalidade diversas e comuns de justificar as práticas Tecnológico-midiáticas. E neste sentido, há urgência de cultuar, cultivar e pensar as práticas juntamente com os instrumentos críticos que possibilitem enxergar o alien, o alheio, o estranho, mas também o dominador e enfeitiçador, como o colorido das miçangas trocadas em um processo contínuo de colonização. Portanto, ainda estamos sob a ação de fetiches das Teorias – alienados e encantados que somos. Há que se desencantar para de novo voltar a se reencantar. No Brasil e América Latina, as coisas são e não são ao mesmo tempo: do “Nonada” rosiano a algo próximo ao realismo mágico de Gabriel García Márquez. Resta buscar respostas que poderão estar na arte, na literatura, na cultura e na poesia ou imbricadas em todas. O século XXI, em nosso contexto geográfico, deveria retomar os ideais e refazer o convite de Feuerbach ao ativismo revolucionário do século passado. 28 1.7 ENQUADRAMENTOS ESPECÍFICOS DA PESQUISA: CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS, SEM PONTOS FINAIS METODOLÓGICOS. Tornou-se necessário retornar aos teóricos que tratam da história da ciência, quando discutem os acontecimentos científicos colocados em sequência ou deslocados de seus contextos, as crises e surgimento constante de tecnologia a exigir também uma atualização constante dos conceitos que é a base para se construir as novas Teorias. No entanto, é importante salientar que a história da ciência não se constitui somente do acúmulo de tecnologias, de práticas, de ideias e de Teorias. As questões filosóficas trazem à luz elementos que provam a herança dos iluministas que, por sua vez, retomam Platão e Aristóteles ao proporem o uso livre da razão e do intelecto que viria a determinar um aspecto importante da cultura do século XX, incluindo o mundo da técnica com seus desdobramentos relacionados à informação, conhecimento e contradições. Importante enfatizar que o acréscimo da informação não acarreta o aumento do conhecimento, mas a inflação da informação que pode significar “deflação do sentido”, crise que atinge o auge com a mídia, o computador e a Internet, acabando por se constituir em discussões necessárias para se pensar as tecnologias hoje, envolvendo, por exemplo, o conceito de memória artificial indispensável ao contexto e aos meios de massa. O tema da memória e da construção de sentidos é pertinente na sociedade conectada, no contexto da Inteligência Artificial com computadores e redes sociais, vistos como máquinas de memória capazes de registrar, transmitir e memorizar tudo. Estas máquinas inteligentes são insuperáveis, quando comparadas às enciclopédias impressas, que não conseguiam uma atualização instantânea como fazem atualmente as atuais. Portanto, todos os suportes materiais fazem e sempre fizeram esse mesmo papel: armazenar, prolongar e reter a memória humana, pois, diante da necessidade constante de 29 atualização, se percebeu, inevitavelmente, os limites da memória humana de reter os objetos artísticos ou não e também as informações. Assim, a mediação como processos constantes de atualizações tecnológicas, trocas e compartilhamentos, já a hermnêutica tem a tarefa de fazer interpretações em seus múltiplos sentidos e, mais ainda, instituir diálogos face a face e virtuais. Neste sentido, aludimos a alguns pensadores como, por exemplo, Francis Bacon, ao fazer colocações sobre o método científico e a necessidade de isenção de preconceitos, diz ser necessário travar uma luta constante contra a generalização apressada, típica da natureza humana. Bacon aconselha ainda muito cuidado à observação, atenção especial às ideias recebidas da educação e muita precisão no uso da linguagem. Por fim, chama atenção para a necessidade de se desenvolver experiências específicas, atendendo às interrogações científicas da pesquisa. De maneira complementar, ao discutir as teorias e os fatos que as acompanham, Popper nega qualquer lógica na descoberta científica. Para este autor, pode-se valer de tudo: insights, intuição, imaginação e observações controladas. A ideia era fazer leituras atentas da profusão de teorias e discussões metodológicas como atividade constante deste nosso trabalhoque segue em direção ao entendimento e conhecimento das teorias já consolidadas, agora com um pouco mais de ênfases nas tecnologias. Tentamos metodologicamente, aplicar a hermenêutica para entender melhor a relação estreita já conhecida entre mídia e cultura. Trata-se de uma imbricação perceptível das práticas com as trocas e conceitos, estabelecendo uma mistura composta de estados de consciência relacionados diretamente aos conhecimentos e práticas formais, informais e técnicas que, por sua vez, se desdobram em efeitos que se ligam estreitamente a essas mesmas categorias, completando os vários sentidos nas relações humanas diretas como a própria essência da mediação que poderia ser um novo humanismo. Desta mistura, pensada como mediação e cultura, é que se busca reunir as diferenças culturais e midiáticas divididas em países e regiões com suas especificidades como justificativas, incluindo todas as suas contradições observáveis no século atual. Assim, não se pode esquecer, por exemplo, do encontro frutífero da hermenêutica com a desconstrução de Derrida e com a Filosofia alemã contemporânea. Lembramos ainda do tradutor italiano de Verdade e Método, Gianni Vattimo, que associou o pensamento de Gadamer a um niilismo feliz. Acrescente-se o trabalho que R. Rorty fez com as ideias filosóficas e práticas gadamerianas a estabelecer caminhos com vias diretas destas com o pragmatismo norte- americano. 30 Portanto, são discussões que foram travadas no contexto da modernidade (pós?!?) do século XX que ainda poderão gerar frutos frente às relações humanas e construção de um pensamento sobre o “real” inconstante, na atualidade e de seus efeitos, centro de interesse deste trabalho que reúne as teorias hermenêuticas do diálogo, da compreensão, da interpretação coma sobreposição tecnológica. É a relação do Eu com o Outro, em um processo de mediação e interação constantes, que na verdade é a essência desta síntese como projeto para pensar o humanismo. 2 CONCRETIZAÇÕES HERMENEUTICAS 2.1 PRODUÇÕES E REPRODUÇÕES: AMPLIAÇÕES, RECORTES, REDUÇÕES E ATUALIZAÇÕES. INTRODUÇÃO MUITOS HORIZONTES OU CAMINHOS INTROTÓRIOS À SELEÇÃO DOS TEXTOS: A INTERPRETAÇÃO E A EXPERIÊNCIA HERMENÊUTICA. Impossível escrever esta introdução aos ensaios que virão a seguir, sem antes mencionar o trabalho de Peter Sloterdijk, “O zoológico humano”, que na verdade é um título polêmico, mas acreditamos ser importante ler, reler e repensar esse texto que é um diálogo hermenêutico 31 com o livro as Cartas ao Humanismo de Heidegger para entender pelo menos algumas dimensões do humanismo. O nosso proósito de retomar o humanismo se depara com os conceitos prontos que estão nos livros, no entanto, devem ser atualizados, sobreponto constatemente humanismo, centrando tudo o que significa o ser: sensível, instável, inseguro, instantâneo e que acabou se tornando, no final do século passado, o grande tema sartreano ( existencialismo e humanismo) daquele momento, apesar de Sartre ser um autor da década de 50 do século XX, as ideias do filósofo em “Ser e o Nada”, oferecem elementos para que se possa reconstruir esse humano em nosso momento presente,em nosso contexto. Mas afinal, o que é este humano? O que é esse ser instável, incerto, camaleônico, que se transforma a todo tempo? Sartre o define assim: É o ser que se manifesta por uma série de aparências diferentes. E por isso mesmo, não se consegue falar com certa certeza sobre esse ser que, na verdade, é uma aparição momentânea e instantânea, que não pode ser descrito, no sentido de uma descrição minuciosa porque é instantâneo. A cada minuto, segundos, este ser já é outro, já é outro ser. É essa mesna instabilidade que o humanismo do século XXI usa como modelo para atualizar o conceito de humanismo. Por outro lado, o humanismo no sentido clássico, em que se baseou Peter Sloterdijk significa uma cultura, um conhecimento dos grandes autores antigos, que foi uma experiência com obras literárias, e consequentemente uma tomada de consciência da historicidade do ser, já pensada pelos grandes autores gregos e romanos. A experiência hermenêutica é intrinsecamente linguística e é um dos grandes momentos na construção do conceito de humanismo já pensada por Aristóteles, Platão, Dante e muitos outros. Isto quer dizer que para ser humanista, no sentido clássico, precisava ter um conhecimento das grandes obras literárias, elaboradas por esses grandes pensadores da antiguidade, esse é o primeiro movimento para a construção do conceito clássico de humanismo que Sloterdijk classifica como civilização. Do século 12 ao século 14, tem-se o auge desse estágio da cultura humanista ocidental. E o que significava ser humanista naquele conexto? Ter conhecimento dessa cultura e dominar esses clássicos da antiguidade. Faz parte desse humanismo pessoas que têm o domínio da cultura clássica, da cultura grega e Romana. E no sentido filosófico o que significa humanismo? Qualquer doutrina que se dedica à natureza ou ao destino do ser, esse é o segundo movimento na construção do conceito de 32 humanismo, seja no sentido de exaltar as culturas clássicas, seja no sentido de se dedicar às questões humanas e nesse conjunto de argumentações conceituais é que encaixamos o sentido de humanismo. Qual é a função da hermenêutica nesse processo interpretativo? Pensar e entender, dialeticamente o ser e suas relações humanas por meio das mídias e das tecnologias, supostamente como uma consciência que percebe os objetos e como uma compreensão que se amplia e se ilumina em um processo de autocompreensão, tendo como objetivo maior entender o ser humano em profundidade: saber como se comporta, como pensa, como reage. A essência do ser midiático contemporâneo como processo hermenêutico é exatamente o objeto de nossos estudos, que se volta às maneiras como esse ser se comporta, reage, pensa, sente e muda em comunidade. Este é o ser camaleônico, no sentido filosófico abordado por Heidegger e Satre. E para entender esse ser humano, deve-se entender seus valores. No sentido clássico, são os valores do mundo, por exemplo, a beleza, a força, a harmonia, a virtude e o heroísmo. Já na atualidade são outros valores praticados pelas pessoas que habitam o mundo contemporâneo. Podemos até elencar alguns valores, mas seria inútil, pois mudam constantemente. Valorizar a convivência de um ser humano em sociedade pode ser um deles. Será que esse é um valor essencial hoje? Nesse estágio do atual humanismo, pode-se pensar, por exemplo, os ideais estéticos gregos importados pelos Romanos na ideia do ser perfeito, a forma perfeita, no sentido do belo. O belo, hoje, significa muitas coisas, até mesmo o feio. No contexto da idade média ou do renascimento, esse belo é o belo da harmonia, é o belo da força. Todos os heróis gregos são fortes e aventureiros, como no caso do Ulisses. Outro viés do humanismo é o cristianismo. Sartre repensou muito as questões humanistas herdadas dos pensadores católico-Cristãos: o ser nasce livre, e seu valor maior é a liberdade, seguida da individualidade, autonomia e responsabilidade. Isto quer dizer, resumidamente, que o livre-arbítrio é relativo, no sentido cristão, pois orientado por Deus. Importante ressaltar a contradição: o ser é livre, desde que seja orientado por Deus. Nesse sentido, essa carga contraditória do humanismo cristão, difícil de ser resolvida, filosoficamente: o ser é livre, no entanto, existe um Deus orientando para que se usufrua dessa liberdade da maneira mais correta possível, da maneira mais humana possível. No entanto, na modernidade, no mundo contemporâneo, pode-se rever o humanismo a partir de ideias que ainda permanecem atuais.. Alguns autores introduziram mudanças 33 importantes e essas mudanças irão persistir até hoje. São três autores básicos humanistas: Descartes, Kant e Hegel. Descartes causa estranhamento, pois é de 1600, mas continua um autor atual. Estes três autores se complementam, pois constroem/pensam cada um a seu modo, os mesmos conceitos aplicados ao humanismo como subjetividade do ser, como uma abstração, por exemplo. Cada ser tem sua subjetividade e cada um constrói a realidade a sua maneira. No sentido do indivíduo único e ao mesmo tempo conectado com a sociedade em que vive. Pode- se associar, de maneira esboçada, em um primeiro momento, as práticas subjetivas mutantes ao conceito de mídia para este ser humano atual que faz parte e é a mídia. Deste modo, o conceito de mídia como transporte, segundo Harold Innes. As mídias não são apenas os meios de comunicação de massa, mídia é a tecnologia que transporta a informação e como as pessoas também transportam informações, elas são mídias ambulantes, podem ser classificadas como mídia. Nsse conceito mídia está sobreposto o de subjetividade, do ser diferença, do direito de ser diferente. Desde 1600 Descartes fez uma nova leitura do Ser no mundo com o conceito de individualidade única. Assim, um de nossos propósitos, é entender, hermeneuticamente no sentido de existir, o ser no mundo contemporâneo com seus problemas existenciais. A pergunta que se faz é: o ser é único ou não ou, o ser é um constructo conforme a sociedade em que vive? Essa é mais uma indagação circunstancial do humanismo moderno, mas também contemporâneo, ou moderno com Descartes, Kant e Hegel. Seria temeroso indagar se este humanismo teria começado no ser como um indivíduo que se constrói, que se diferencia, que reage a qualquer acontecimento a sua volta, mas também seria um ser que é o todo no mundo contemporâneo, no mundo moderno? Este ser que é indivíduo, mas também é massa. Não é um ser só, são dois ou mais juntos. Por exemplo, pode-se perceber que isso é verdade quando as pessoas estão em um evento de massa, um show de rock, um comício. As pessoas aglutinadas acabam reagindo como massa, mas continuam sendo também um ser único, continuam sendo um Eu, naquele espeço, acontecem encontros, é um primeiro momento da cisão dessa subjetividade que emerge do estado oculto. É nesse processo em que nao se pode reduzir o Ser no mundo atual, no século XXI, à subjetividade. Portanto, insistentemente, podemos perguntar o que é o humanismo no mundo contemporâneo? Percebe-se que no mundo contemporâneo o humanismo não tem uma unidade. Não tem a mesma unidade que era praticada na cultura clássica, na cultura grega, por exemplo, que considerava humanista aquele que conhecia todos os clássicos, desde Homero a Dante. Por 34 isso, ser humanista, não significa ter mais esse conteúdo repertorial e cultural. Cada pensador construia o seu modo humanista de ver o mundo e lidar com o Ser de sua época. Sartre tem no conceito de liberdade a única possibilidade de existência. Ser livre é ser responsável por todos os atos, por todas as decisões do SER. Albert Camus, o escritor franco-agelino escreveu vários livros importantes, várias peças de teatro importantes. Seu livro mais exemplar sobre a existência é “O Estrangeiro”. Há um momento da narrativa: um ser que vive sozinho, sua mãe morre, ele faz o velório e todos observam que ele não sente nada, não fica triste, não chora. Isto causou um alvoroço nas pessoas. Qual a moral hiócrita vigente? Quando alguém morre, independente da subjetividade, seus parentes e amigos têm que chorar. E o personagem não sente nada, não reage a nada, apenas faz o velório da mãe. Gratuitamente não reage ou sente diferente. Em outro trecho do romance, este mesmo personagem fica sozinho e numa bela tarde, numa praia sente muito calor, em seguida, vê alguns árabes passando, sem motivo algum, ele assassina um deles. Consequentemente, é preso e perguntam por que matou, ele responde que estava com calor. É este outro conceito de liberdade: o humanismo como existencialismo, que é o conceito da liberdade, autoriza a fazer as coisas gratuitamente. Tem-se o direito do ato gratuito. No entanto, há o preço. E qual é o preço? Se você comete um crime, será julgado e condenado, pois, você vive em sociedade com regras. Estar em sociedade é isso, cada ser paga pelos seus atos. Assim, no Estrangeiro de Camus, as pessoas são humanas porque têm algo diferente em relação às outras. Viver em sociedade é viver segundo normas, regras e leis em que seu bem maior, a liberdade, está em jogo. Albert Camus defende que o humanismo da subjetividade, em que cada ser tem sua característica. Neste sentido, é muito interessante fazer uma relação com o sentido de existência na sociedade midiatizada. Todos os seres têm suas características e especificidades em relação aos outros seres. Isto quer dizer que a extência do ser está relacionada à existência dos outros? Esta pergunta é também uma síntese de todo o pensamento sartreano, princip