Dialética do sertão: reflexões em torno das peripécias de Antônio das Mortes no cinema épico de Glauber Rocha

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Data

2020-07-27

Autores

Semensato, Geisa Cristina [UNESP]

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Editor

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

Resumo

The Brazilian cinema of the moviemaker Glauber Rocha (1939-1981) took place in two distinct phases: before and after the 1964 Brazilian coup d´état. The phase before 1964, which includes the films Barravento (The Turning Wind, 1961) and Deus e o Diabo na Terra do Sol (Black God, White Devil, 1964), is aesthetically and politically characterized by the same revolutionary euphoria observed in the Eztetyka da Fome (1965); the post-1964 phase, which would still be well marked by the films Terra em Transe (Entranced Earth, 1967) and O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (Antônio das Mortes, 1969), reveals what is initially called political dysphoria, translated into the cinematographic discourse and inflated with religious allegories, very perceptible in the 1969 film, as well as of the slowdown in critical discourse in the Eztetyka do Sonho (1971). Revolutionary in the use of dialectical narrative and disjunctive montage, Glauber would have used these allegories to cleverly disguise his political persecutors and as a possible form of artistic expression, while continuing to denounce, between the lines of filmic diegesis, the exploitation of the colonizer / imperialist on the poor / colonized of the Third World, even under the aftermath of Ato Institucional Número 5 (Institutional Act Number 5). Antônio das Mortes, core character in the selected films, who went from the servile henchman (jagunço) of the great land owners (coronéis) in 1964, to ally of the poor, in 1969, was carefully analyzed, since the representation in one and another film enabled us to realize that the excessive allegories previously mentioned (Glauber- after 1964), were dialectical possibilities that the director had used, especially during the harsher years (known as Years of Lead) of the military dictatorship. Antônio's change of side came through an ethical-moral catharsis. Using the same principles of formal disjunction and diegetic discontinuity advocated by Bertolt Brecht, Glauber defies the Hollywood primer that teaches making cinema— transparent and alienating— and seeking to break with naturalistic cinema— especially the American- and accusing it of being a disseminator of imperialist interests. Glauber Rocha's speech continues to throb and is updated with the needs of liberation of the oppressed of our dark "Brazilian" days. More than ever, and even after 60 years, his work remains necessary and urgent.
O cinema do brasileiro Glauber Rocha (1939-1981) produziu-se em duas fases distintas: antes e depois do golpe militar de 1964 no Brasil. A fase pré-64, que inclui os filmes de longa-metragem Barravento (1961) e Deus e o diabo na Terra do Sol (1964), caracteriza-se estética e politicamente pela mesma euforia revolucionária que observamos na Eztetyka da fome (1965); a fase pós-64, que ainda na década de 1960 ficaria bem marcada pelos filmes Terra em transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), é reveladora do que inicialmente chamamos de disforia política, traduzindo-se no discurso cinematográfico inflado de alegorias religiosas, bem perceptíveis no filme de 1969, assim como no abrandamento do discurso crítico da Eztetyka do sonho, de 1971. Revolucionário no uso da narrativa dialética e na montagem disjuntiva, Glauber teria usado habilmente as tais alegorias à socapa de seus perseguidores políticos e como forma possível da expressão artística, ao mesmo tempo em que continuava a denunciar, nas entrelinhas da diegese fílmica, a exploração do colonizador/imperialista sobre os pobres/colonizados do terceiro mundo, mesmo no rescaldo do AI-5. Antônio das Mortes, personagem central dos filmes cotejados, que passou de jagunço servil dos coronéis, em 1964, a aliado dos pobres, em 1969, foi detidamente analisado, pois a sua representação num e noutro filme possibilitou-nos perceber que as excessivas alegorias do Glauber pós-64 eram possibilidades dialéticas de que o cineasta lançou mão, sobretudo durante os anos de chumbo da ditadura militar. A mudança de lado de Antônio das Mortes veio através de uma catarse ético-moral. Usando os mesmos princípios de disjunção formal e descontinuidade diegética preconizados por Bertolt Brecht, Glauber afronta a cartilha hollywoodiana que ensina a fazer cinema transparente e alienante, buscando a ruptura com o cinema naturalista — sobretudo o americano — e acusando-o de ser disseminador dos interesses imperialistas. O discurso de Glauber Rocha continua palpitante e atualizado com as necessidades de libertação dos oprimidos destes nossos dias “brasileiramente” sombrios. Mais do que nunca, e mesmo depois de 60 anos, sua obra permanece necessária e urgente.

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Palavras-chave

Glauber Rocha, Bertolt Brecht, Cinema, Antônio das Mortes, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro

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