Vampirismo e representação feminina na literatura oitocentista brasileira

Abstract

A presente tese aborda a representação feminina em algumas obras da literatura brasileira oitocentista que manifestam o motivo da mulher fatal ou da feminilidade associada ao mal, culminando no tema do vampirismo. São objetos de nossas considerações o poema “Octávio e Branca: ou a maldição materna” (1849), de Cardoso de Meneses; o romance A mortalha de Alzira (1895), de Aluísio Azevedo; e o conto “A neurose da cor” (1889), de Júlia Lopes de Almeida. A seleção dessas obras favorece o estudo de algumas representações da mulher fatal e do vampirismo em diferentes gêneros e, de certa forma, ao longo do século XIX. As figurações do feminino relacionadas ao mal, nas obras aqui consideradas, nutrem-se de elementos do gótico, do fantástico e da linguagem do sublime. Em nossa análise, buscamos discutir os padrões narrativos que permeavam a figura feminina na literatura relacionada à tradição gótica, os quais, frequentemente, a confinavam a estereótipos pertencentes a polos opostos, como a donzela em perigo e a mulher fatal, constantemente caracterizada como desafiadora e subversiva frente às normas sociais de sua época. Quando radicada na subversão, a representação feminina muitas vezes passa por uma espécie de “desumanização”, convertendo-se na femme fatale, personagem sedutora, mas monstruosa (pelo menos moralmente), tida como manifestação do "outro" que desperta fascínio, mas deve ser temido e eliminado. A vampira, por seu turno, amiúde relacionada à predação e à sexualidade, pode ser considerada uma exacerbação do motivo da mulher fatal. Com efeito, observamos em nossas leituras que a mulher fatal, além de ser associada a um potencial de destruição ligado à sua sexualidade e independência, continuamente encontra um destino trágico, sendo punida com a morte. Essa representação feminina, limitada a uma espécie de dualidade, revela não apenas os cerceamentos impostos à figura feminina na literatura oitocentista, mas também os medos e ansiedades masculinas projetados nas criações literárias do período.

This thesis examines the representation of women in selected works of nineteenth-centuryBrazilian literature that articulate the motif of the femme fatale or femininity associated withevil, culminating in the theme of vampirism. The primary objects of our analysis are the poem“Octávio e Branca: ou a maldição materna” (1849), by Cardoso de Meneses; the novel Amortalha de Alzira (1895), by Aluísio Azevedo; and the short story “A neurose da cor” (1889),by Júlia Lopes de Almeida. The inclusion of works from different genres enables a broaderstudy of the representation of the femme fatale and vampirism across various narrative formsand moments throughout the nineteenth century. The depictions of the feminine as linked toevil in these texts are nourished by elements of the Gothic, the fantastic, and the aesthetics ofthe sublime. In our analysis, we seek to discuss the narrative patterns that permeated the femalefigure in literature related to the Gothic tradition, which often confined her to stereotypesbelonging to opposite poles, such as the damsel in distress and the femme fatale, constantlycharacterized as defiant and subversive in the face of the social norms of her time. When rootedin subversion, the female representation often undergoes a kind of “dehumanization”, becomingthe femme fatale: a seductive yet monstrous character (at least morally), a manifestation of the"other", fascinating, yet to be feared and eliminated. The female vampire, in turn, oftenassociated with predation and sexuality, can be viewed as a heightened expression of the femmefatale motif. Indeed, our readings reveal that the femme fatale, besides being linked to adestructive potential grounded in her sexuality and independence, frequently meets a tragic end,typically being punished by death. This polarized portrayal of femininity exposes not only theconstraints imposed upon women in nineteenth-century literature but also reflects male fearsand anxieties projected onto literary creations of the period.