A prática de kata no karate em Okinawa: tecnologias rudimentares?

Abstract

Karate é um termo genérico para um conjunto de práticas corporais desenvolvidas em Okinawa. Decorrente da modernização, o karate sofreu um processo de esportivização e de pedagogização. Porém, é possível ainda encontrar pela ilha maneiras de praticar que escapam a essa configuração, e que em alguns aspectos se aproximam dos exercícios de cuidados de si da antiguidade greco-romana, denominados askésis. Nesta tese, procuro tensionar e problematizar especialmente a prática de exercícios denominados kata, tendo como ponto de partida a experimentação do karate em Okinawa, bem como da investigação de referenciais bibliográficos e documentais. Os kata são tecnologias presentes em diferentes instâncias das artes japonesas. No caso do karate, acontece diretamente no corpo. É corporalmente no kata que se imprimem e se efetivam as características singulares das diversas vertentes de karate existentes em cada um dos diferentes estilos. Uma das questões desta pesquisa é se seria possível também compreender o kata como uma concreta expressão artística do karate. Além disso, faço a provocação: seria rudimentar a maneira como se praticam os kata em Okinawa? Assim, elejo como objetivo investigar a prática do kata em Okinawa como askésis, exercícios de cuidados e transformação de si. Para isso, retornei a Okinawa (entre 10 de janeiro a 24 de fevereiro de 2023). Realizei participação observante especialmente em dois dōjō: 1- Musei-juku, do sensei Morinobu Maeshiro, atual presidente da Okinawa Shōrin-ryu Karate-dō Association, e 2- no também tradicional e renomado Higaonna Dōjō, do estilo Gōju. Registrei as experiências em Diário de Campo, do qual me sirvo como um dos meus principais instrumentos de pesquisa. Apesar de marcar esse recorte temporal, a pesquisa compreende uma etnografia bem anterior a esse período, já que começo a notar primeiros sinais de que havia algo diferente no karate em Okinawa desde 2009, quando fui pela primeira vez. Estive também em 2012; 2013 (junho e outubro); 2014; 2019 (agosto e outubro) e 2023. Os resultados apontam para maneiras diferentes na prática do karate das que foram modernizadas, pedagogizadas e vinculadas no ocidente.

Karate is a generic term for a set of bodily practices developed in Okinawa. As a result of modernisation, karate has undergone a process of sportification and pedagogisation. However, it is still possible to find ways of practising on the island that escape this configuration, and which in some respects are close to the self-care exercises of Greco-Roman antiquity, known as askésis. In this thesis, I try to stress and problematise in particular the practice of exercises called kata, taking as my starting point the experimentation of karate in Okinawa, as well as the investigation of bibliographical and documentary references. The kata are technologies present in different instances of the Japanese arts. In the case of karate, it happens directly in the body. It is through the body in the kata that the unique characteristics of the various karate disciplines that exist in each of the different styles are imprinted and realised. One of the questions of this research is whether it would also be possible to understand kata as a concrete artistic expression of karate. Furthermore, I pose the question: is the way kata is practised in Okinawa rudimentary? I therefore set myself the objective of investigating the practice of kata in Okinawa as askesis, exercises in self-care and transformation. To do this, I returned to Okinawa (between 10 January and 24 February 2023). I was especially observant at two dōjō: 1- Musei-juku, run by sensei Morinobu Maeshiro, the current president of the Okinawa Shōrin-ryu Karate-dō Association, and 2- the also traditional and renowned Higaonna Dōjō, in the Gōju style. I recorded my experiences in a field diary, which I use as one of my main research tools. Despite this time frame, the research comprises an ethnography well before this period, as I began to notice early signs that there was something different about karate in Okinawa from 2009, when I went for the first time. I also went in 2012; 2013 (June and October); 2014; 2019 (August and October) and 2023. The results point to different ways of practising karate from those that have been modernised, pedagogised and linked in the West.