O camarão-fantasma, Callichirus corruptus Hernáez, Miranda, Rio & Pinheiro, 2022 (Crustacea: Decapoda: Callichiridae), como espécie sentinela da qualidade ambiental em praias arenosas

Abstract

As regiões costeiras apresentam elevado adensamento populacional humano, com à disposição final de vários poluentes, como os metais. Devido a esse perfil, a avaliação da citogenotoxicidade em organismos presentes nesses locais são extremamente relevantes, uma vez que possibilita avaliar o status de conservação desses ambientes. Para isso, o uso de biomarcadores de efeito tem sido amplamente utilizado para identificar a toxicidade gênica e fisiológica de animais, com intuito de fornecer respostas à contaminação ambiental. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar os danos citogenotóxicos no camarão-fantasma (Callichirus corruptus), em relação à possível contaminação ambiental por metais, confrontando uma praia em ambiente prístino (JUR, Estação Ecológica Juréia-Itatins) a outra impactada antropicamente (STS, Santos). Foram quantificados 10 elementos metálicos (As, Cd, Cr, Cu, Hg, Mn, Ni, Pb, V e Zn), associados ao sedimento arenoso e em três tecidos do camarão (gônadas, hepatopâncreas e musculatura). Os animais e os sedimentos foram coletados com o auxílio de uma bomba de sucção. O sedimento passou por análise granulométrica (sete frações) e do teor de matéria orgânica (MO%). Para as análises citotóxicas foram analisados 12 exemplares/setor praial, quantificando o tempo de funcionamento lisossomal (Ensaio NRRT), enquanto cinco animais/setor foram utilizados para avaliar a frequência de hemócitos micronucleados (MN) e com anormalidades nucleares (AN). O sedimento da Praia de Santos foi categorizado como areia muito fina (TMG, tamanho médio do grão = 0,096 mm), diferindo daquele da Praia da Juréia, categorizado como areia fina (TMG = 0,150 mm). A matéria orgânica no sedimento de STS (0,12%) foi quatro vezes superior ao de JUR (0,03%), existindo uma correlação negativa e significativa para a relação MO vs. TMG (ρ = –0,67 p ≤ 0,01). Em relação aos metais, 88,9% apresentaram uma maior concentração nos sedimentos de STS em relação à JUR (t  7,84; p  0,01; W = 0; p  0,01). Quanto ao acúmulo de metais nos tecidos de C. corruptus, o As foi o único que diferiu, com os camarões de JUR (17,3 ± 2,7 μg/g) acumulando quase o dobro em relação àqueles de STS (9,1 ± 1,4 μg/g) (W=81; p<0,01). A hierarquia de acúmulo de metais entre os tecidos foi H > M > G. O NRRT apresentou uma média 70% maior nos camarões da Juréia (100 ± 24 min), do que em Santos (59 ± 29 min) (W = 11,4; p ≤ 0,01). As maiores frequências de MN e AN (total) ocorreram nos indivíduos de STS (12 ± 4 ‰; e 465 ± 60 ‰, respectivamente), correspondendo a cerca do dobro do que foi registrado na Juréia (MN: 5 ± 1 ‰; AN: 240 ± 46 ‰). A partir de análises de associação foi possível observar que NRRT apresentou uma correlação negativa e significativa com MN‰ e AN‰ (r = –0,81; p  0,01). Em contrapartida, foi observado uma correlação positiva e significativa entre os metais do sedimento e os biomarcadores MN‰ e AN‰ (r ≥ 0,71; p ≤ 0,01). As maiores concentrações de metais nos sedimentos de STS está relacionada ao elevado adensamento populacional humano e diversos impactos antrópicos, como a presença do Porto de Santos. Os maiores teores de MO% no sedimento da Praia de Santos aumenta a adsorção de metais nesta matriz abiótica. Já o maior acúmulo de metais entre tecidos, ocorreu no hepatopâncreas, devido a sua bioquímica peculiar, que permite a maior adsorção de metais. Para os camarões de JUR, houve um maior tempo de retenção do vermelho neutro, confirmando a efetividade da preservação pela estação ecológica. No entanto, a relação entre a genotoxicicidade e as concentrações metálicas no sedimento de STS, apontam elevado grau de antropização, trazendo impactos à frequência mutagênica de C. corruptus. Dessa forma, foi confirmado que as praias diferiram quanto ao seu grau de conservação (STS: antropizada; e JUR: preservada). Tais informações, aliadas aos biomarcadores de efeito, permitem o uso de C. corruptus como espécie sentinela ambiental, para categorizar o status de conservação de praias arenosas.

Coastal regions present high human population density, leading to the disposal of various pollutants, such as metals. Given this profile, assessing cytogenotoxicity in organisms within these areas is extremely relevant, as it allows for the evaluation of the conservation status of these environments. The use of effect biomarkers has been widely employed to identify genetic and physiological toxicity in animals, aiming to provide insights into environmental contamination. Thus, the objective of the present study was to evaluate cytogenotoxic damage in the ghost shrimp (Callichirus corruptus) in relation to potential environmental contamination by metals, comparing a pristine beach environment (JUR, Juréia-Itatins Ecological Station) with another anthropogenically impacted (STS, Santos). Ten metallic elements (As, Cd, Cr, Cu, Hg, Mn, Ni, Pb, V, and Zn) were quantified, both in the sandy sediment and in three shrimp tissues (gonads, hepatopancreas, and musculature). The animals and sediments were collected using a suction pump. The sediment underwent granulometric analysis (seven fractions) and organic matter content analysis (OM%). For the cytotoxic analyses, 12 specimens per beach sector were analyzed, quantifying lysosomal function time (NRRT assay), while five animals per sector were used to assess the frequency of micronucleated hemocytes (MN) and those with nuclear abnormalities (NA). The sediment from Santos Beach was categorized as very fine sand (MGS, mean grain size = 0.096 mm), differing from that of Juréia Beach, categorized as fine sand (MGS = 0.150 mm). The organic matter in the sediment of STS (0.12%) was four times higher than that of JUR (0.03%), with a negative and significant correlation observed between OM and MGS (ρ = –0.67, p ≤ 0.01). Regarding metals, 88.9% showed higher concentrations in the sediments of STS compared to JUR (t ≤ 7.84; p ≤ 0.01; W = 0; p ≤ 0.01). As for the accumulation of metals in the tissues of C. corruptus, arsenic was the only element that differed significantly, with shrimp from JUR (17.3 ± 2.7 μg/g) accumulating almost twice as much compared to those from STS (9.1 ± 1.4 μg/g) (W = 81; p < 0.01). The hierarchy of metal accumulation among the tissues was H > M > G. NRRT showed a 70% higher average in shrimp from Juréia (100 ± 24 min) than in Santos (59 ± 29 min) (W = 11.4; p ≤ 0.01). The highest frequencies of MN and NA (total) occurred in individuals from STS (12 ± 4 ‰ and 465 ± 60 ‰, respectively), corresponding to about double the frequencies recorded in Juréia (MN: 5 ± 1 ‰; NA: 240 ± 46 ‰). Association analyses revealed that NRRT showed a negative and significant correlation with MN‰ and NA‰ (r = –0.81; p ≤ 0.01). Conversely, a positive and significant correlation was observed between metals in the sediment and the biomarkers MN‰ and NA‰ (r ≥ 0.71; p ≤ 0.01). The higher concentrations of metals in the sediments of STS are related to the high human population density and various anthropogenic impacts, such as the presence of the Port of Santos. The higher OM% levels in the sediment of Santos Beach increase the adsorption of metals in this abiotic matrix. The greatest accumulation of metals among tissues occurred in the hepatopancreas, due to its unique biochemistry, which allows for higher metal adsorption. The shrimp from JUR showed a longer neutral red retention time, confirming the effectiveness of the ecological station's preservation efforts. However, the relationship between genotoxicity and metal concentrations in the sediment of STS indicates a high degree of anthropization, impacting the mutagenic frequency of C. corruptus. Thus, it was confirmed that the beaches differed in their degree of conservation (STS: anthropized; and JUR: preserved). This information, combined with effect biomarkers, supports the use of C. corruptus as an environmental sentinel species to categorize the conservation status of sandy beaches.