Elaboração e validação de conteúdo de um instrumento de percepção da gagueira em pré-escolares

Abstract

Introdução: Crianças que gaguejam desde muito cedo enfrentam desafios sociais, emocionais e comportamentais. A literatura indica que crianças pequenas com gagueira podem ter percepções negativas sobre sua fala disfluente. É necessário que o fonoaudiólogo faça uso de evidências científicas somadas à experiência clínica para que a intervenção terapêutica consiga prevenir as reações comportamentais e emocionais desencadeadas pela gagueira. Em uma busca mais aprofundada, foi identificada uma lacuna científica relacionada aos métodos utilizados para identificar a percepção da gagueira na primeira infância, uma vez que não há consonância e nem instrumentos validados para tal finalidade no país. Objetivo: Elaborar um instrumento de investigação clínica para identificar a percepção da gagueira em pré-escolares que gaguejam com evidências de validade baseada no conteúdo. Método: Trata-se de um estudo metodológico de elaboração e validação de instrumento caracterizado como exploratório, analítico e transversal. A elaboração do instrumento foi dividida em duas fases: a Fase I – planejamento e desenvolvimento da primeira versão do instrumento, contou com a fundamentação teórica, definição dos objetivos do instrumento e do público-alvo. A Fase II consistiu na investigação de evidências de validade baseada no conteúdo e desenvolvimento da segunda versão do instrumento. Participou do estudo um comitê de juízes-avaliadores composto por sete fonoaudiólogos brasileiros com expertise na área da Fluência. A análise dos dados foi realizada em dupla abordagem: qualitativa, com base nas sugestões dos juízes; e quantitativa, por meio do cálculo do índice de validade de conteúdo individual (para cada item) e total (para o conjunto de itens). O índice de concordância aceitável foi de no mínimo 0,80 e, preferencialmente, maior que 0,90. Resultados: A primeira versão do instrumento foi elaborada baseada na revisão da literatura, sendo dividida em duas etapas. A Etapa A foi direcionada aos pais e/ou responsáveis e consistiu em uma entrevista semiestruturada com 12 perguntas; a Etapa B continha 10 perguntas e foi destinada às crianças. Na análise do comitê de juízes experts, verificou-se que os aspectos gerais do instrumento apresentaram IVC-T de 0,95. No entanto, a análise detalhada dos itens da primeira rodada de validação, revelou que o IVC-I variou de 0,57 a 1,00. Na Etapa A, sete itens não atingiram o nível de concordância necessário em “clareza da linguagem”; três itens em “pertinência” e cinco itens em “relevância”. Na Etapa B dois itens obtiveram pontuação abaixo de 0,78, um em “clareza da linguagem”, e o outro em “pertinência” e “relevância”. Na segunda rodada de validação, houve uma notável consistência nas respostas do comitê de juízes, com um índice de concordância superior a 0,80 na maioria dos itens da Etapa A e em todos os itens da Etapa B. Os itens com IVC-I inferior a 0,80 foram modificados de acordo com a análise qualitativa. Ao final de duas rodadas de avaliação, o IVCI e IVC-T evidenciaram alto índice de concordância entre os juízes. Conclusão: Foi possível elaborar um instrumento de identificação da percepção da gagueira em pré-escolares com evidências de validade baseada no conteúdo que permitiram, até o momento, ajustá-lo em relação ao seu constructo.

Introduction: Children who stutter from an early age face social, emotional and behavioral challenges. The literature indicates that young children who stutter may have negative perceptions about their dysfluent speech, highlighting the importance for speech therapists to combine scientific evidence with clinical experience, ensuring that therapeutic interventions can effectively prevent behavioral and emotional reactions triggered by stuttering. A more indepth search identified a scientific gap related to the methods used to identify the perception of stuttering in early childhood, as there is no agreement or validated instrument for that purpose in the country. Objective: To develop a clinical research instrument to identify the perception of stuttering in preschoolers who stutter, with content-based validity evidence. Method: This is a methodological study of elaboration and validation of an instrument characterized as exploratory, analytical and transversal. The development of the instrument was divided into two phases: Phase I – planning and development of the first version of the instrument, including the theoretical foundation, definition of the instrument's objectives and target audience. Phase II consisted of investigating content-based validity evidence and developing the second version of the instrument. A committee of judge-evaluators composed of seven Brazilian speech therapist experts in the area of Fluency participated in the study. Data analysis was carried out using a dual approach: qualitative, based on the suggestions from the judges; and quantitative, through the calculation of both individual (for each item) and total (for the set of items) content validity indices. The acceptable agreement index was at least 0.80 and, preferably, above 0.90. Results: The first version of the instrument was prepared based on the literature review, and was divided into two stages. Stage A was aimed at parents and/or guardians and consisted of a semi-structured interview with 12 questions; Stage B comprised 10 questions and was aimed at children. The committee of expert judges found that the general aspects of the instrument achieved a CVI-T of 0.95. However, detailed analysis of the items in the first round of validation revealed that the CVI-I ranged from 0.57 to 1.00. In Stage A, seven items did not reach the necessary level of agreement in “clarity of language”; three items in “pertinence” and five items in “relevance”. In Stage B, two items scored below 0.78, one in “clarity of language”, and the other in both “pertinence” and “relevance”. In the second round of validation, the responses from the committee of judges showed remarkable consistency, achieving an agreement index greater than 0.80 for most items in Stage A and for all items in Stage B. Items that scored a CVI-I below 0.80 were modified based on the qualitative analysis. At the end of two rounds of evaluation, both CVI-I and CVI-T showed a high level of agreement among the judges. Conclusion: It was possible to develop an instrument to identify the perception of stuttering in preschoolers, with content-based validity evidence. This evidence has enabled ongoing adjustments to its construct.