Desenvolvimento humano feminino em prol do desempenho ambiental: uma análise sob a ótica dos valores culturais

Abstract

Embora possa haver algum desacordo sobre o início do Antropoceno, os alertas relacionados à urgência de se mitigar as ameaças ambientais estão cada vez mais frequentes. No entanto, é fundamental que as pessoas sejam vistas não apenas como parte do problema ambiental ou como meros observadores passivos e vulneráveis, mas também como parte da solução, como agentes de mudança capazes de corrigir rumos construindo um futuro sustentável. Tal protagonismo da agência ganha ainda mais força quando se considera que a desigualdade de poder e de liberdades substantivas gera assimetria de responsabilidades, e que mais de trinta anos após o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), ainda não é possível afirmar que as mulheres estão a ponto de se tornarem tão livres quanto os homens. Considerando dados de países que correspondem a 80% da população mundial, o RDH de 2020 constatou que aproximadamente 90% dos homens e mulheres mantêm algum tipo de viés contra as mulheres. Ao que tudo indica, a “mão invisível” da modernização não levou automaticamente à igualdade de gênero como se previa e, mesmo com uma legislação que estabeleça a igualdade de direitos, as normas sociais ainda prevalecem na determinação das realizações das mulheres. A presente pesquisa se insere neste contexto, objetivando analisar e quantificar a importância dos valores culturais e do desenvolvimento humano feminino em prol do desempenho ambiental, sob as vertentes teóricas da Perspectiva das Capacitações e da Ecologia Política Feminista. Para tanto, esta tese se encontra dividida em quatro artigos que se complementam. O primeiro atua na compreensão do estado da arte da literatura que relaciona valores culturais e desenvolvimento humano. O segundo conduz uma análise desagregada por gênero ao avaliar a influência dos valores culturais no desenvolvimento humano. O terceiro compara os impactos de múltiplos indicadores do desenvolvimento humano feminino e masculino no desempenho ambiental dos países. E o quarto, por fim, integra as relações anteriores e examina simultaneamente os valores culturais e o desenvolvimento humano por gênero em prol do desempenho ambiental. As descobertas encontradas indicam que o desenvolvimento humano é o caminho para um meio ambiente melhor, tendo o desenvolvimento humano feminino um impacto mais de quatro vezes maior comparado ao masculino. No entanto, a cultura também importa, sendo que os valores culturais exercem uma influência diferenciada por gênero. De maneira geral, promover a longevidade e a educação de homens e mulheres, bem como a renda e a participação política feminina podem ser o motor para o desenvolvimento sustentável. Da mesma forma, uma sociedade que acolhe o pensamento autônomo, que fomenta a parcimônia e o foco no futuro, e não condena ou restringe como as pessoas devem viver suas vidas pode ter os aliados culturais necessários para impulsionar o desenvolvimento humano, e a qualidade ambiental.

Although there may be some disagreement about the beginning of the Anthropocene, the urgency to mitigate the environmental threats is increasingly common sense. However, it is essential to see individuals not only as part of the environmental problem or as mere passive and vulnerable observers, but also as part of the solution, as agents of change, capable of correcting the course and building a sustainable future. This agency role as protagonist gains greater strength when one considers that the inequality of power and substantive freedoms generates an asymmetry of responsibilities, and that more than thirty years after the first Human Development Report (HDR), it is still not possible to say that women are at the point of becoming as free as men. Considering data from countries that correspond to 80% of the world's population, the 2020 HDR found that approximately 90% of men and women harbor some sort of bias against women. It seems that the “invisible hand” of modernization has not led to gender equality as expected and, even with legislation establishing equal rights, social norms still prevail in determining women’s achievements. The present research is inserted into this context. It aims to analyze and quantify the importance of cultural values and female human development in the environmental performance by using the theoretical foundations of the Capability Perspective and Feminist Political Ecology. Therefore, this thesis is divided into four articles that complement each other. The first seeks to understand the state of the art of the literature that relates cultural values and human development. The second conducts a genderdisaggregated analysis, assessing the influence of cultural values on human development. The third compares the impacts of multiple indicators of female and male human development on the environmental performance of countries. And, finally, the fourth integrates the previous relationships and simultaneously analyzes cultural values and human development by gender in favor of environmental performance. Our findings indicate that human development is the path to a better environment, with female human development having more than four times the impact of male human development. However, culture also matters, with cultural values exerting an influence differentiated by gender. In general, increasing longevity and the education of men and women, as well as women's income and political participation, seem to be the drivers for the sustainable development. Likewise, a society that embraces autonomous thinking, that encourages thrift and a focus on the future and does not condemn or restrict how people live their lives, seems to provide the necessary cultural alliance to foster human development and promote environmental quality.