Nuestro Folklore: o rural, o popular e o massivo nas políticas culturais do Primeiro Peronismo (1946-1955).

Abstract

O presente trabalho investiga as apropriações do simbólico popular rural argentino pelo populismo peronista (1946-1955) como elemento crucial para o seu projeto de reconfiguração da identidade nacional através da análise de políticas culturais empreendidas pelo regime. Em resposta às transformações sociais, econômicas e políticas que marcam a Argentina das décadas de 1940 e 1950, sobretudo a intensificação dos movimentos migratórios saindo das províncias do interior campesino rumo à capital Buenos Aires a partir da década de 1930 e a consequente emergência de uma cultura de massa no país, o peronismo se utilizaria dessas iniciativas no âmbito da cultura para afirmar uma determinada sensibilidade nacional comum mediante um discurso massivo pautado na continuidade entre o imaginário das massas (presente) e a memória popular em suas várias formas de expressão (passado). Para tal, serão analisadas duas documentações derivadas de políticas culturais do governo as quais tomam o universo folclórico como eixo comum. São elas, respectivamente: 1) O Manual-guía que orienta o processo de recopilação e classificação de expressões da memória oral das populações do interior da província de Buenos Aires pelos colaboradores da Encuesta Folklórica General del Magisterio, lançada em 1951 pelo Instituto Nacional da Tradição (1943-1955); 2) A revista Mundo Radial (1949-1957) – integrada ao monopólio peronista dos meios de comunicação – e seu projeto editorial voltado à construção de um imaginário favorável ao universo rural e ao cancioneiro folclórico no meio do entretenimento urbano através da seção temática Nuestro Folklore. Desse modo, demonstraremos como os âmbitos da cultura e dos meios de comunicação de massa, durante os dois primeiros mandatos de Perón, constituíram espaços privilegiados de mobilização de pertencimentos sociais, culturais e políticos precípuos para a garantia do consenso populista necessário à manutenção da hegemonia peronista.

This study investigates the appropriations of Argentine rural popular symbolism by Peronist populism (1946-1955) as a crucial element in its project of national identity reconfiguration through the analysis of cultural policies implemented by the regime. In response to the social, economic, and political transformations that marked Argentina in the 1940s and 1950s —particularly the intensification of migration movements from rural provinces to the capital, Buenos Aires, from the 1930s onward, and the consequent emergence of a mass culture in the country — Peronism would use these cultural initiatives to assert a common national sensibility through a mass discourse based on the continuity between the popular imagination (present) and popular memory in its various forms of expression (past). To explore this process, the paper analyzes two documents derived from government cultural policies that center the folkloric universe as a common axis. These are: 1) The Manual-guía that guides the process of compiling and classifying oral memory expressions from rural populations in the Buenos Aires province by collaborators of the Encuesta Folklórica General del Magisterio, launched in 1951 by the National Institute of Tradition (1943-1955); and 2) The magazine Mundo Radial (1949-1957)— a publication integrated into the Peronist media monopoly —and its editorial project aimed at building a favorable imagery of rural world and folkloric song repertoire within urban entertainment through its thematic section Nuestro Folklore. In doing so, this research demonstrates how the spheres of culture and mass media, during Perón’s first two terms, became privileged spaces for mobilizing social, cultural, and political belongings, which were essential to ensure the populist consensus necessary to maintain Peronist hegemony.