A palavra como um tiro e a leitura como munição: análise do projeto de remição da pena pela leitura "Me Livro"

Abstract

A presente investigação aborda a leitura no contexto de um projeto de remição da pena pela leitura chamado “Me Livro” no ano de 2019. O projeto foi desenvolvido por uma extensão universitária, o grupo “Cárcere Expressão e Liberdade” (C.E.L.) e quinze presos da penitenciária de Franca/SP. A remição da pena pela leitura é um direito da pessoa presa que, após leitura de uma obra e confecção de uma resenha crítica, tudo isso em um prazo de 21 a 30 dias, ela poderá ter sua pena remida em quatro dias, a depender da aprovação do juiz. Iniciamos a pesquisa pelos aspectos formais de construção do “Me Livro”, isto é, como se deu a entrada na cadeia, quais os pressupostos de atuação do grupo, a partir de que marcos institucionais o projeto se desenvolveu, as obras trabalhadas e as discussões acerca de cada título. A partir de então, através da análise de conteúdo aliada, subsidiariamente, à analise documental, pudemos analisar 21 relatórios provenientes da edição de 2019 do projeto. Além desses relatórios, alguns outros que relataram as reuniões internas do grupo C.E.L. e acontecimentos próprios que ocorreram no campo também se situaram no corpus empírico da investigação. Além do objetivo geral, de análise da leitura, concentramos nossos esforços para analisar quatro objetivos em específico: as hierarquias produzidas sobre o saber produzido pelos próprios presos; discussão sobre a existência de um saber constituído ameaçado ou confrontado; os caminhos pelos quais esses saberem passam até se constituírem como tal e processo de atribuição de valor ao saber do que se é produzido pelos próprios presos. Assumimos que o processo da leitura e de produção do conhecimento se trata de um mecanismo emancipatório, considerando os participantes como sujeitos ativos na produção desse conhecimento. Optamos por esse caminho pela vantagem política e epistemológica que garantiu a análise do nosso corpus. Desse modo, identificamos a existência de três dimensões de análise que abarcam as categorias encontradas: a primeira dimensão é a político-epistemológica e abarca a categoria do “crivo penitenciário” a segunda dimensão é a dimensão temática e abrange as categorias “política”, “vivência prisional” e gênero”; a terceira dimensão é a dimensão subjetiva e abrange a categoria da leitura como experiência estética e seus confrontos ético-políticos.