Direitos humanos e cidadania

Nenhuma Miniatura disponível

Data

2001

Autores

Vigevani, Tullo [UNESP]

Título da Revista

ISSN da Revista

Título de Volume

Editor

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

Resumo

Os temas tratados têm múltiplas dimensões, compreendendo de forma ampla e articulada diferentes aspectos. Discutem-se conceitos, inicialmente os de direitos humanos e cidadania (Vinícius C. Martinez e Tânia S. A. Brabo). Depois, buscando a passagem do geral para o particular, são apresentados os quadros institucionais de referência para o debate e a ação no Brasil e no Estado de São Paulo (Lucilene Druzian). Partindo deste quadro geral, passa-se às questões específicas, buscando dar conteúdo concreto à expressão "direitos humanos". A criança e o adolescente merecem um tratamento especial (Maria Angélica O. Nascimento) não só pela sua importância intrínseca, mas também porque contextualizam as outras partes. Estas outras preocupam-se sobretudo com o tema da escola e dos jovens. O direito à educação (Maria Valéria B. Veríssimo) e a educação em direitos humanos (Martha dos Reis) são apresentados por constituírem alavancas essenciais no mundo moderno: a sociedade não mais aceitará valores que não puderem ser compreendidos e assimilados pelos indivíduos que a compõem. Portanto, aceita a idéia de que os direitos humanos, constituem referências fundamentais, coloca-se a questão de como a educação é essencial para que se materializem, isto é, se tornem realidades palpáveis. Para ter força, este debate exige a análise das situações concretas. Isto é, tem que passar da normatividade, do que deve ser, para a compreensão das dimensões da realidade em que vivemos, em que atuamos. As discussões sobre a exclusão e a justiça social (Solange C. V. Martini), assim como sobre a violência e a criminalidade entre os jovens (Sueli Andruccioli Felix), fazem-se presentes porque é sabido que as vítimas da eventual ausência de direitos são, em parte, também responsáveis por formas de violência que atingem a todos. A segurança na escola é tratada (Alfredo Ignácio de Godoy Silva e Tereza Cristina Albieri Baraldi) porque uma política efetiva de direitos humanos tampouco pode ser ingênua. Deve partir dos fatos para pensar soluções efetivas. Explicadas as razões destas atividades, cabe perguntar-nos por que o tema dos direitos humanos tornou-se tão importante nas últimas décadas do século XX e deverá continuar sendo objeto de nossas preocupações no século XXI. Ele tem sido debatido em conferências internacionais, é objeto de políticas específicas em todos os Estados do mundo, vários livros foram escritos sobre o assunto. Uma das respostas poderia ser que, além de uma questão geral, é também uma questão concreta, que atinge nosso dia-a-dia, tendo a ver com a educação, com o trânsito, com o trabalho, com a moradia, com a poluição das águas e do ar, com a segurança etc. Esse tema não é novo. As treze colônias inglesas da América do Norte, que declararam-se independentes em 1776 e fundaram os Estados Unidos, já haviam proclamado os direitos humanos como inerentes à liberdade. Questões que podem ser interpretadas como relativas a direitos humanos são encontradas nas antigas civilizações e mesmo em sociedades primitivas. Partes da Bíblia podem ser lidas, hoje, sob essa mesma perspectiva. A generalização do tema no mundo moderno é, em geral, atribuída à Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, que constitui o preâmbulo da Constituição francesa. Este preâmbulo foi aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte em 1789 e definitivamente incorporado à Constituição de 3 de setembro de 1791 e às outras que foram se sucedendo no período revolucionário. Seu Artigo Primeiro afirma: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. As diferenças sociais somente podem basear-se no interesse comum". Durante todo o século XIX e em boa parte do século XX, a referência aos direitos humanos foi entendida como relativa aos povos chamados civilizados. Para muitos, havia a humanidade civilizada, a bárbara e a selvagem. A primeira compreendia as nações da Europa e parte das americanas, sobretudo os Estados Unidos. Os bárbaros compreendiam os povos independentes da Ásia (Japão, China, Turquia etc.). Os selvagens eram os outros, considerados externos à sociedade de Estados. Desta divisão do mundo derivava a idéia - muito difundida, constituindo-se quase num senso comum - de que o conceito de direitos humanos só seria aplicável ao mundo dito civilizado. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxe como uma de suas conseqüências a difusão de noções como autodeterminação e direitos dos povos. Mesmo assim, após a guerra, os valores ligados aos direitos humanos não tiveram um papel muito importante, o que é facilmente explicável pela situação vivida pelo mundo nos anos 20 e 30 do século XX, fortemente marcados pelos antagonismos nacionais e por uma interpretação da luta de classes que não priorizava aqueles direitos. O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) voltou a colocar em evidência os velhos princípios dos Direitos Humanos, realçando-se a importância de sua formulação à época da independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa. Não pode deixar de ser dito que esta evidência vincula-se ao novo fortalecimento dos valores liberais no mundo a partir de 1945, ainda que contrastados pelo simultâneo fortalecimento de valores que se declaravam como socialistas. De forma geral, ao menos teoricamente, os valores humanos passam a ser aceitos por todos. Assim é que a Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua sessão de 10 de dezembro de 1948, aprova a Declaração dos Direitos Humanos, que passa formalmente a ter validade universal. Em seu Artigo Primeiro ela estabelece: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade". A Declaração dos Direitos Humanos absorve o espírito do tempo, incorporando em seu preâmbulo e nos seus trinta artigos questões que fazem explícita referência aos temas sociais. Afirma que os povos das Nações Unidas "decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla". O Artigo XXIII diz que "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego". "Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses". Ainda assim, sabemos que os direitos humanos não foram respeitados - quaisquer sejam as interpretações possíveis - durante muitas décadas após a Declaração de 1948. E, como discutido nesta publicação, continuam não sendo respeitados ainda hoje, na virada do século XX. Feita esta afirmação, verificamos que ainda não respondemos à questão antes apresentada. Por que os direitos humanos são um tema tão importante? A resposta imediata que nos ocorre é a de que estes direitos correspondem aos interesses de todos os seres, de todos os homens e mulheres. Contudo, se fosse tão simples, ainda assim ficaríamos sem explicação para outra questão, a do por que estes direitos não pareciam ser tão essenciais no passado. Compreender isto é muito importante. Como vimos, ainda que muito resumidamente, os direitos humanos originaram-se no mundo ocidental, greco-romano, de onde surgiu a civilização européia contemporânea. As demais civilizações tinham outra concepção de valores. Os direitos humanos têm sua origem ligada à valorização do indivíduo, mas também à vida em sociedade. Por várias razões, os valores ocidentais tornaram-se aparentemente hegemônicos no mundo contemporâneo, o que está ligado ao papel nele desempenhado pela economia, pela ciência e tecnologia, e pela cultura. Mas está sobretudo ligado à própria natureza dos valores, pois alguns se apresentam com características mais universais do que outros. Por exemplo, castigos corporais surgem como dificilmente defensáveis; ao contrário, o direito à liberdade de consciência do indivíduo dificilmente pode ser objeto de contestação, ao menos no sistema de valores hoje predominante e que é incorporado por grupos cada vez mais amplos em todos os quadrantes do mundo. Um autor africano afirma que direito humano pode ser definido como sendo aquele cujo caráter é considerado fundamental por todos os seres. Em 1993 vivenciamos um momento altamente significativo na busca de consolidação desta perspectiva. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, reunida em Viena depois de convocada pelas Nações Unidas, redige a Declaração e Programa de Ação mais completos e detalhados jamais vistos. Ainda que resultado de um largo compromisso, compondo-se de valores com origem na tradição liberal individualista com valores de clara conotação social, incluindo direitos dos povos indígenas, direitos das crianças, das mulheres, dos trabalhadores, dos migrantes, dos grupos raciais e étnicos, e religiosos, a Declaração representa inequivocamente a vitória do universalismo. Isto é, a criação de uma obrigatoriedade moral, e parcialmente jurídica, de aplicação dos conceitos contidos na Declaração e Programa, estabelece, pela primeira vez de forma inquestionável, regras que deveriam ser seguidas por todos os Estados. Esse fato acarreta conseqüências precisas, sendo a importância do debate levado a efeito no Brasil uma prova inequívoca delas. Há compromissos e obrigações que não podem ser desconhecidos impunemente. As resoluções de Viena e, mais do que elas, a jurisprudência internacional que vai sendo estabelecida, significam que os direitos humanos passam a ser cada vez mais um tema legítimo da agenda internacional - independentemente de sua origem, já indicada - que ultrapassa um outro conceito tão forte nos séculos e até nas décadas passadas: o de soberania nacional. Como afirmam alguns autores, o tema dos direitos humanos tornou-se, além de global, elemento de governabilidade do sistema mundial e de legitimidade dos Estados que o integram. Finalizando, indicaremos duas conclusões preliminares importantes. A primeira quer sinalizar que o tema que estamos tratando deve ser compreendido em sua historicidade e em sua relatividade. Isto é, não é útil nem didático endossar o tema dos direitos humanos de forma não-crítica. Para defendê-los e para aplicá-los adequadamente e de forma socialmente justa e responsável, deve-se compreender seu significado, sua origem, os interesses que lhe dão sustentação e que impulsionaram o fortalecimento de sua importância contemporânea. A segunda conclusão implica a compreensão de que o desrespeito aos direitos humanos terá custos crescentes frente às opiniões públicas internacional e nacional. Não se trata de aceitar uma estratégia politicamente correta com base em modismos e de acordo com princípios estabelecidos pelas forças e pelos países hegemônicos. Trata-se de saber discernir entre os valores estabelecidos como universais para os direitos humanos - os de 1948 e de 1993, por exemplo - aqueles que efetivamente interessam a uma sociedade que se quer democrática, imbuída de valores morais e éticos. O debate universal a respeito dos direitos humanos ao menos um efeito positivo teve para a sociedade brasileira: chamou a atenção para as injustiças, para a violência, para a desigualdade, acelerando a tomada de consciência e fortalecendo aqueles setores que, também no Brasil, lutam há muito por esses mesmos direitos.

Descrição

Palavras-chave

Como citar