Microquímica do poder: uma análise genealógica dos psicofármacos contemporâneos

Carregando...
Imagem de Miniatura

Data

2021-05-21

Autores

Soares, Silvio de Azevedo [UNESP]

Título da Revista

ISSN da Revista

Título de Volume

Editor

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

Resumo

Este trabalho tem por objetivo descrever – no atual contexto de medicalização e psiquiatrização do social – as singularidades políticas e subjetivas que se podem desdobrar do discurso da psiquiatria neurobiológica contemporânea em relação ao uso de psicofármacos (em particular, do Prozac), como também destacar traços de resistência ao emprego desses medicamentos. Para alcançar esse objetivo, lanço mão das ferramentas analíticas da genealogia tal como desenvolvida por Foucault. Nesse sentido, a questão dessa pesquisa passa pela concepção dos psicofármacos como um dispositivo, uma rede histórica e singular de práticas de poder, discursos de saber e modos sujeição. Para demarcar as especificidades político-subjetivas do atual dispositivo psicofármacos realizo uma análise das relações de poder-saber-sujeição que atravessam a psiquiatria em dois intervalos históricos distintos. No primeiro período, a partir de uma revisão bibliográfica dos cursos de Foucault O poder psiquiátrico, Os anormais, do seu livro História da Loucura e de outros ditos e escritos de seu período genealógico, trato da consolidação da psiquiatria na França do século XIX (sublinhando o uso asilar de substâncias com efeitos psicoativos). Antes de tratar dos discursos contemporâneos sobre os psicofármacos, em um exercício de acontecimentalização, analiso – numa reflexão amparada em revisão bibliográfica – cinco pequenos acontecimentos (no sentido foucaultiano de inversão de forças) que participaram da naturalização dos psicofármacos como a principal tecnologia da psiquiatria atual: a) a especificação dessa classe de medicamentos a partir dos anos 1950; b) o desenvolvimento das neurociências nos anos 1960; c) os movimentos antipsiquiátricos dos anos 1960-1970; d) a consolidação da psiquiatria neurobiológica com a publicação em 1980 da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III); e) a emergência de uma nova geração de psicofármacos no final dos anos 1980 e início dos 1990: os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS). Nessa reflexão genealógica destaco como se desenvolveu uma interface psiquiátrica do farmacopoder (tal como descrita por Preciado) e se constituiu uma dimensão neuro da biopolítica molecular (como delineada por Rose). Em seguida trato dos discursos sobre a utilização contemporânea dos psicofármacos, circunscrevendo como unidades de análise: manuais de psiquiatria e psicofarmacologia, manual de saúde mental do Ministério da Saúde, publicações da Associação Brasileira de Psiquiatria, o best-seller internacional Ouvindo o Prozac do psiquiatra estadunidense Peter Kramer e o documentário Estamira (compreendido como um documentário de inspiração genealógica por possibilitar a veiculação de discursos sujeitados). Diante dos conteúdos desse corpus documental examino: a) como, nesses enunciados, se traçam ações de poder-sujeição e de governo de condutas, bem como tentativas de resistências; b) como esse conjunto de proposições sobre psicofármacos pode integrar uma estratégia neoliberal de governo das condutas (em nome da recuperação, manutenção ou potencialização do capital humano dos indivíduos). O argumento desse trabalho é a de que o atual dispositivo psicofármacos configura-se como um dos elementos táticos de uma biopolítica neuromolecular que apresenta convergências com as estratégias neoliberais de governo das condutas (de um sujeito “empresário de si” em um contexto de concorrência interindividual generalizada).
This work aims to describe – in the current context of medicalization and psychiatryzation of social – the political and subjective singularities that can unfold from the discourse of contemporary neurobiological psychiatry in relation to the use of psychoactive drugs (in particular, the drug Prozac), as also to highlight traces of resistance to the use of these drugs. To achieve this goal, I use the analytical tools of genealogy as developed by Foucault. In this perspective, the question of this research involves the conception of psychoactive drugs as a dispositive, a historical and singular network of power practices, discourses of knowledge and modes of subjection. In order to demarcate the political-subjective specificities of the current psychoactive drugs dispositive, I carry out an analysis of the relations of power-knowledge-subjection that cross psychiatry in two distinct historical intervals. In the first period, based on a bibliographic review of Foucault's courses The psychiatric power, The freaks, from his book History of Madness and other sayings and writings from his genealogical period, I analyze the consolidation of psychiatry in 19th century France (underlining the asylum use of chemical substances with psychoactive effects). Before addressing the contemporary discourses about psychoactive drugs, in an exercise of causal demultiplication, I analyze – in a reflection supported by a bibliographic review – five little events (in the Foucaultian sense of inversion of forces) that constituted the naturalization of psychoactive drugs as the main therapeutic technology of psychiatry current: a) the specification of this class of medicines from the 1950s; b) the development of neurosciences in the 1960s; c) the antipsychiatry struggles in the years 1960-1970; d) the consolidation of neurobiological psychiatry with the publication of the third edition of the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders in 1980; e) the emergence of a new generation of psychotropic drugs in the late 1980s and early 1990s: the selective serotonin reuptake inhibitors (SSRIs). In this genealogical reflection, I highlight how a psychiatric interface of pharmacopower was developed (as described by Preciado) and a neuro dimension of molecular biopolitics was constituted (as outlined by Rose). Then I deal with the discourses on the contemporary use of psychiatric drugs, circumscribing as units of analysis: psychiatry and psychopharmacology manuals, mental health manual from the Ministry of Health of Brazil, publications from the Brazilian Association of Psychiatry, the international bestseller Listening to Prozac by American psychiatrist Peter Kramer and the documentary Estamira (understood as an inspirational documentary genealogical for making it possible to convey subdueds speeches). Given the content of this documents, I examine: a) how the actions of power-subjecting and government of conducts are outlined, as well as resistance practices; b) how this set of enunciated about psychotropic drugs can integrate a neoliberal conduct strategy (in the name of recovering, maintaining or enhancing the human capital of individuals). The argument of this work is that the current psychoactive drugs dispositive is configured as one of the tactical elements of a neuromolecular biopolitics that presents convergences with the neoliberal strategies of government of conduct (of a subject “entrepreneur of himself” in a context of inter-individual competition generalized).

Descrição

Palavras-chave

Psicofármacos, Psiquiatria, Genealogia, Governo, Resistência, Psychoactive drugs, Psychiatry, Genealogy, Government, Resistance

Como citar