Composição taxonômica e potencial funcional do microbioma vaginal e relação com o papilomavírus humano em mulheres brasileiras

Abstract

Introdução: Estudos sobre o microbioma vaginal são fundamentais para entender como este microambiente contribui para a saúde das mulheres. Utilizando dados metagenômicos, como VALENCIA e o classificador de CST metagenômico (mgCST), as recentes classificações dos tipos de comunidade (CSTs) do microbioma vaginal têm fornecido importantes caracterizações do microbioma vaginal. No Brasil, os estudos de composição do microbioma são escassos, mas já foi apontado altas prevalências de CST IV, caracterizado pela depleção de Lactobacillus spp.. A CST IV engloba a maioria dos casos de vaginose bacteriana (VB), que é a principal disbiose encontrada na microbiota vaginal. Esta disbiose já foi previamente associada à diversas infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a persistência do papilomavírus humano de alto risco (hrHPV). No entanto, o mecanismo envolvido nesta associação não está elucidado. Gardnerella spp., Fannyhessea vaginae e Prevotella bivia são apontados como espécies importantes na patogênese da VB. Por isso, o objetivo foi a caracterização taxonômica e potencial funciona do microbioma vaginal e relação com o papilomavírus humano em mulheres brasileiras. Metodologia: De um total de 609 mulheres em idade reprodutiva incluídas em um estudo anterior que caracterizou o microbioma vaginal com base em sequências de 16S rRNA, 254 amostras vaginais foram selecionadas aleatoriamente para a análise metagenômica atual. Dados sociodemográficos, comportamentais e clínicos foram avaliados através de questionário e as amostras foram analisadas quanto ao pH vaginal, escores de Nugent do conteúdo vaginal e presença de infeccões sexualmente transmissíveis como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae e Trichomonas vaginalis. Para a análise de cargas bacterianas envolvidas na VB, foram incluídas 216 mulheres positivas para hrHPV de um estudo anterior que incluía 1638 mulheres em idade reprodutiva. As cargas bacterianas de Gardnerella spp., F. vaginae e P. bivia basais foram realizadas através de Real Time-PCR e comparadas entre os grupos de 'persistência' e 'clearance', categorizados com base no status do HPV no recrutamento e no acompanhamento após 12 e 24 meses. Resultados: As análises revelaram que a CST I, dominado por L. crispatus, representou 31.1% das participantes, a CST III, dominado por L. iners, 31.9%, e a CST IV, uma comunidade com uma diversidade de espécies, 33.8%. L. crispatus mgCST 1 foi a mais frequente (23.4%), seguido por L. iners mgCST 12 (15.0%) e G. vaginalis mgCST 20 (8.7%) e 24 (9.0%). As mgCSTs de G. vaginalis foram tiveram maior frequência de maior número de parceiros sexuais/ano, aumento do pH vaginal e escores de Nugent mais elevados, sugerindo que fatores comportamentais e clínicos poderiam estar associados a essas mgCSTs. Gardnerella spp. exibiu cargas significativamente maiores no grupo persistência (3.20E05 cópias/µL) em comparação ao grupo de eliminação (2.15E04 cópias/µL), indicando seu potencial efeito negativo na eliminação do hrHPV após 12 meses. No entanto, F. vaginae e P. bivia não mostraram associação significativa com a persistência do hrHPV. Conclusão: O estudo fornece uma nova caracterização metagenômica do microbioma vaginal brasileiro e mostra que componentes microbianos e comportamentais podem influenciar tanto a manutenção do ambiente vaginal saudável, como também a persistência de infecções por HPV de alto risco.

Introduction: Studies on the vaginal microbiome are essential for understanding how this microenvironment contributes to women's health. Utilizing metagenomic data, such as VALENCIA and the metagenomic CST classifier (mgCST), recent classifications of the community-state types (CSTs) of the vaginal microbiome have provided important characterizations of the vaginal microbiota. In Brazil, studies on microbiome composition are scarce, but high prevalence rates of CST IV, characterized by the depletion of Lactobacillus spp., have already been reported. CST IV encompasses the majority of bacterial vaginosis (BV) cases, which is the main dysbiosis found in the vaginal microbiota. This dysbiosis has been previously associated with several sexually transmitted infections (STIs), such as the persistence of high-risk human papillomavirus (hrHPV). However, the mechanism involved in this association is not yet elucidated. Gardnerella spp., Fannyhessea vaginae, and Prevotella bivia are pointed out as important species in the pathogenesis of BV. Therefore, the first objective was to characterize the vaginal microbiome with different metagenomic approaches (VALENCIA and the mgCST classifier) among Brazilian women and to investigate sociodemographic, behavioral, and clinical variables associated with communities dominated by L. crispatus, L. iners, and Gardnerella vaginalis. Secondly, to compare the cervicovaginal loads of Gardnerella spp., F. vaginae, and P. bivia between women with persistent hrHPV infection and those who cleared the infection after 12 and 24 months. Methods: From a total of 609 reproductive-aged women included in a previous study that characterized the vaginal microbiome based on 16S rRNA sequences, 254 vaginal samples were randomly selected for the current metagenomic analysis. Sociodemographic, behavioral, and clinical data were evaluated through a questionnaire, and the samples were analyzed for vaginal pH, Nugent scores of vaginal content, and the presence of sexually transmitted infections such as Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, and Trichomonas vaginalis. For the analysis of bacterial loads involved in BV, 216 hrHPV-positive women from a previous study that included 1638 reproductive-aged women were included. Basal bacterial loads of Gardnerella spp., F. vaginae, and P. bivia were performed using Real Time-PCR and compared between the 'persistence' and 'clearance' groups, categorized based on HPV status at enrollment and follow-up after 12 and 24 months. Results: The analyses revealed that CST I, dominated by L. crispatus, represented 31.1% of the participants, CST III, dominated by L. iners, 31.9%, and CST IV, a community with a diversity of species, 33.8%. L. crispatus mgCST 1 was the most frequent (23.4%), followed by L. iners mgCST 12 (15.0%) and G. vaginalis mgCST 20 (8.7%) and 24 (9.0%). G. vaginalis mgCSTs were associated with a higher frequency of multiple sexual partners per year, increased vaginal pH, and higher Nugent scores, suggesting that behavioral and clinical factors could be associated with these mgCSTs. Gardnerella spp. exhibited significantly higher loads in the persistence group (3.20E05 copies/µL) compared to the clearance group (2.15E04 copies/µL), indicating its potential negative effect on the clearance of hrHPV after 12 months. However, F. vaginae and P. bivia did not show a significant association with hrHPV persistence. Conclusion: This study provides a new metagenomic characterization of the Brazilian vaginal microbiome and shows that microbial and behavioral components can influence both the maintenance of a healthy vaginal environment and the persistence of high-risk HPV infections.